Assim, reduzindo a performance dos patamares laborais, chegava-se àqueles que, por obra do não acaso, haviam de ser relegados para as áreas da marcenaria, cantarias e construção civil. Mas se estes sentiam alguma frustração por serem excluídos dos estratos superiores, que diriam os restantes que viriam a seguir?
Formou-se, então, a plêiade de trabalhadores rurais e serventes de pedreiro. Estas classes não eram muito bem-vistas no concelho, em especial na então vila do Cartaxo. Os primeiros, sendo imunes a angústias e frustrações, e não tendo quaisquer outros objetivos, entravam na agricultura descomplexados, com a maior das naturalidades. Nada de lamúrias. Era um facto consumado. Queixarem-se de quê, para quê? Os serventes, rapazolas ainda imberbes, que, em princípio, podiam (e deviam) ter outras aspirações, sabiam que tinham que passar uns anitos a estagiar na serventia, para deitar corpo e se afirmarem, se não pela veia artística, ao menos pela robustez.
Mas aqueles aspirantes a agricultores e mais estes serventes de pedreiro, que pensavam ter sido relegados para o fim da tabela, bem vistas as coisas, até poderiam não sentir grande desconforto, comparando com os que vou enunciar.
É verdade. Dos que agora vêm à liça, pior era impossível. Esta nova classe, sem classe, sem porte nem suporte e, muito menos, estatuto, albergava todos aqueles manhosos que, não gostando de vergar a mola, passavam o santo dia (anos e anos a fio) prostrados nos bancos do jardim (sim, porque o Cartaxo já teve um grande e belo jardim), a mandar piropos (alguns de mau gosto) às sopeiras que entravam ou saíam da Praça. Mas havia exceções, porque, de vez em quando, sempre que um proprietário da vila sentisse necessidade de obter os serviços de um qualquer habilidoso biscateiro que soubesse, ao menos, caiar uma empena de uma adega ou dar uma mãozinha a rebolar caixotes, já sabia onde o encontrar. Mas atenção, porque, logo à cabeça, era obrigação do contratante fornecer o mata-bicho matinal, mais uma litrada de branco, manhã fora… Hoje, estes cromos de outrora seriam classificados com o pomposo título de freelancers.
E, grosso modo, era assim a vida estudantil, laboral e pseudolaboral do concelho nos, não muito longínquos, anos 50-60.
Relatemos, então, em pormenor, cada área, por ordem cronológica, começando pelos académicos, que eram um pequeno grupo.
Como dizia (e ainda diz) o povo, nem todos podiam ser doutores ou engenheiros. Mas o pior da saga era quando alguns descontentes se punham a estabelecer comparações com aqueles que, segundo diziam, tinham nascido com o traseiro virado para a Lua. É que, avaliando o registo de certa rapaziada, daquela que, mesmo não tendo obtido resultados sonantes na Primária, nem tampouco eram possuidores de atributos tais que lhes conferissem autoridade bastante para prosseguir na vida académica, acabaram por ser castigados e catapultados para o Externato Marcelino Mesquita, para o Liceu Sá da Bandeira, ou para a EIC de Santarém. Depois, com o evoluir dos tempos, logo se aferiria do sucesso ou do fracasso de cada um.
Crónica publicada na edição de novembro do Jornal de Cá.