Pontével volta a reviver os seculares festejos em honra de Nossa Senhora do Desterro

Os festejos anuais de Pontével decorrem de 2 a 5 de setembro

As festas anuais de Pontével, em honra de Nossa Senhora do Desterro, estão de volta em setembro, depois de dois anos de interregno, dando continuidade a esta tradição secular da terra.

Os festejos anuais de Pontével decorrem de 2 a 5 de setembro – de sexta a segunda-feira, levadas a cabo pelos Quarentões 2022, depois de dois anos sem festa por causa da pandemia. Depois deste interregno, Pontével volta a realizar as festas em honra de Nossa Senhora do Desterro, tradição centenária que até 1957 era feita por voluntários. Desse ano em diante, passou ser realizada pelos quarentões, pontevelenses que completam nesse ano 40 anos de vida e que, a partir de 1958, passariam a assumir o compromisso da realização da festa, desta feita com a primeira comissão pela mão de João da Silva Pimenta, benemérito da terra.

Ao longo dos anos, confirma-se o compromisso e o orgulho incutido nos pontevelenses na realização da festa anual com a vinda de muitos filhos da terra a viver fora para fazerem a festa. Uma situação que se repete com frequência com os quarentões que se encontram a viver fora do concelho e até do país. Todos crescem a ver os pais, irmãos e amigos a fazer a festa e já sabem que um dia chega a sua vez e é com orgulho e compromisso que agarram a sua oportunidade.

 

Foto publicada e identificações na página do Facebook ‘Pontével no Antigamente’. Primeiros Quarentões (1918/1958). Em cima: Apolinário Calisto, António Toscano, José Calisto, Francisco Faustino, Ezequiel Filipe, Alberto Lata, Dr. Egas de Azevedo, Martiniano Mendão, António Duarte, João Severino, Júlio Calisto e João Pimenta. Sentados: Vitor Rocha, Francisco Nico, Joaquim Nico, Joaquim Carolino, Jaime Lopes, António Areosa, José Duarte, Eduardo Carreira, Miguel Costa e João Vital.

 

Os festejos anuais de Pontével, com um programa diversificado, continuam a manter vivas as tradições, como a queima do pinheiro, na noite de sexta-feira, e a procissão, no domingo, sendo a corrida de rolamentos, introduzida no programa mais recentemente, uma das grandes atracões da festa.

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Para os pontevelenses, nomeadamente os quarentões que fazem a festa, os primeiros dias de setembro são muito importantes, por cumprirem a tradição e pela devoção à Senhora do Desterro, mas também pelos dias de alegria que se vivem em Pontével, com a chegada de gente de fora e de quem sendo da terra está fora por alguma razão. A tradição cumpre-se e a devoção à Senhora do Desterro mantém-se, desde há séculos, com as festas religiosas a invocarem, inicialmente, o Divino Espírito Santo.

Antiga Capela do Espirito Santo, hoje Capela de Nossa Senhora do Desterro. À esquerda a fachada com o portal manuelino, o pouco que resta atualmente da edificação original. À direita o interior da capela onde ainda são visíveis as paredes interiores com azulejos luso-árabes, os dois altares frontais – o da direita era o de Nossa Senhora do Desterro, que durante anos saía na procissão, e o da esquerda do Espírito Santo. O altar-mor, de talha dourada, e as pinturas do Mestre da Romeira, o Pentecostes, ao centro, e os dois volantes, a Ascensão e a Ressurreição.

 

A devoção à Senhora do Desterro

Localizada perto do Rio da Fonte, a Capela de Nossa Senhora do Desterro representa muito para os pontevelenses, que têm uma grande devoção pela Senhora do Desterro, mantendo as festividades anuais da freguesia em sua honra. Mas, lembra Zelinda Pêgo, “não devemos esquecer que a atual festa em honra de Nossa Senhora do Desterro foi, em tempos remotos, dedicada ao culto do Divino Espírito Santo, em que além da parte religiosa havia, também, a componente profana”.

A data de origem da antiga Ermida do Espírito Santo que veio dar lugar à Capela de Nossa Senhora do Desterro, tal como hoje a conhecemos, permanece desconhecida. A existência do portal manuelino, o pouco que resta atualmente da edificação original, pode supor que terá sido construída no reinado de D. Manuel, tal como refere a historiadora Zelinda Pêgo que lembra também a teoria do historiador Santos Simões que, num estudo sobre a azulejaria, fala da possibilidade da sua inicial edificação no tempo da Rainha Isabel de Aragão (Rainha Santa Isabel), que obrigatoriamente passava e pernoitava em Pontével, quando se deslocava de Almoster para Alenquer, tendo sido também a Rainha Santa Isabel a introduzir em Portugal o culto do Espírito Santo. Para Zelinda Pêgo esta é uma hipótese válida, lembrando que a atual festa em honra de Nossa Senhora do Desterro foi, anteriormente, em honra do Divino Espírito Santo. “Em Alenquer ainda hoje se realizam as festas do Espírito Santo, criadas pela Rainha Santa, com características muito semelhantes às da nossa festa”, comenta a historiadora.

Segundo Zelinda Pêgo, a antiga capela do Espírito Santo foi reconstruída no séc. XVII, por Emanuel da Silva Pinto, que foi pároco em Pontével, a quem se deve o revestimento das paredes interiores com azulejos luso-árabes. “Tinha um coro alto, com uma balaustrada de madeira e assente sobre colunas, um púlpito, dois altares frontais – o da direita era o de Nossa Senhora do Desterro, que durante anos saía na procissão, e o da esquerda do Espírito Santo. O altar-mor, de rica talha doirada, envolvia as belas pinturas do Mestre da Romeira, o Pentecostes, ao centro, e os dois volantes, a Ascensão e a Ressurreição – quadros recuperados que se encontram expostos no núcleo museológico da Igreja Matriz de Pontével”, descreve a historiadora.

Conta Estêvão de Vilarinho na edição de 1958 do jornal A Voz de Pontével que a devoção à Senhora do Desterro terá tido origem numa lenda antiga de dois monges, peregrinos, que terão pedido ao guarda da capela para ali pernoitar em oração e que, na manhã seguinte, desaparecidos misteriosamente os monges, o guarda depara-se com uma imagem de Nossa Senhora do Desterro representada num quadro, junto do arco cruzeiro. Depressa a notícia de tal “milagre” chegava a toda a população que “ali acorria maravilhada a ver a linda imagem” e até aos dias de hoje a população de Pontével invoca a Nossa Senhora do Desterro, passando a Capela do Espírito Santo, onde decorriam solenes cerimónias religiosas por altura das festas no início de setembro, a ser denominada de Capela do Desterro.

Segundo a historiadora Zelinda Pêgo, “no último quartel do séc. XIX é oferecida a imagem de Nossa Senhora do Desterro, em cumprimento duma promessa feita por um elemento da família Alves”, imagem essa que sai atualmente na procissão.

Em 1888, para construir a estrada que liga o Cartaxo a Aveiras de Cima “retiraram-lhe o alpendre” e, passado quase um século e vários anos de recolha de fundos para a sua reconstrução, a capela foi “injustamente demolida” e em seu lugar foi reedificada a atual capela de Nossa Senhora do Desterro, que apenas mantém o portal Manuelino e uma parede com alguns azulejos antigos.

“As pessoas sempre tiveram uma grande devoção pela Nossa Senhora do Desterro e pela Capela”, frisa a Zelinda Pêgo, lembrando que “aquando da sua reconstrução as pessoas não aceitaram a nova construção e criaram um altar [do outro lado da estrada] para realizarem os seus atos de fé”, que até hoje se mantém como local de fé e devoção da população de Pontével.

 

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