Por uma política cultural transformadora

Por Elvira Tristão

Em 1975, Sophia de Mello Breyner Andresen afirmava “A cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar”. Hoje, 48 anos volvidos, duvido que haja quem conteste o poder transformador da cultura. Admitindo que sim, chamar-lhe-íamos “entretenimento”. Admitamos que a cultura também serve para entreter, isto é, para enfeitar a vida. Nessas circunstâncias advogo que sejam principalmente as lógicas de mercado a impulsionar as atividades culturais. Estão neste campo os sucessos de muitos festivais de Verão, megaconcertos, sucessos teatrais de bilheteira e afins.

Mas o poder transformador da cultura exige dos poderes públicos uma visão estratégica sobre o que querem que a cultura transforme, isto é, que, para lá dos espetáculos, projetos ou outras manifestações culturais, estes deixem lastro no desenvolvimento social, na inclusão social, no desenvolvimento das literacias, e no incremento de quadros ou massa associativa e de participação cívica.

Na área da cultura, há que salientar o papel das autarquias locais na construção, gestão e manutenção de infraestruturas culturais. Mas agora que estão lançadas as bases para a promoção de uma política cultural ajustada aos territórios (de desenvolvimento variável, apesar da dimensão geográfica nacional), importa conceber localmente uma estratégia de desenvolvimento cultural. Vejamos o exemplo do Óbidos com o projeto Fólio, que se impõe hoje no panorama das políticas de promoção da leitura e do livro, ou o de Montemor-O-Novo com as residências culturais de desenvolvimento local com o projeto “Espaço do Tempo”.
O Cartaxo tem uma das mais qualificadas salas de espetáculos e uma sala de cinema. Não foi por acaso que o Teatro Nacional D. Maria II escolheu o CCC para a Rede Eunice Ageas ou que o Jorge Silva Melo, dos Artistas Unidos, afirmou que o auditório José Saramago era o auditório B que o projeto CCB não concretizou. Somos herdeiros de um dos maiores dramaturgos nacionais cujas peças habitaram o TNDMII desde finais do século XIX até à década de 60 do século passado. Se queremos honrar a sua memória temos de fazer mais do que mudar a sua estátua de sítio e de orientação, concretização que aprecio pelo valor simbólico que representa para os cartaxenses.

Já vai sendo tempo de voltar a ter uma estratégia para o Centro Cultural do Cartaxo. Enquanto os tribunais decidem sobre a responsabilidade da malograda inundação que, em março de 2022, obrigou ao fecho do CCC, há que substituir os equipamentos danificados, criar condições para viabilizar uma programação cultural que não sirva só para enfeitar, diversificada e eclética, que sirva os locais e que atraia os visitantes, que animarão a economia local e desenvolverão, desejavelmente, o nosso capital humano.

Agosto pode ser um bom mês para pensar no que se pretende, enquanto o concelho vai de férias (e os trabalhadores municipais também). E setembro pode ser um bom mês para começar a pensar no orçamento municipal para a Cultura, para o reapetrechamento do equipamento danificado e para a programação. É imperativo articular as políticas culturais com as políticas de educação, investindo na programação para público escolar.

O investimento na cultura não é só uma questão de capacidade financeira. É principalmente uma questão de missão, de visão e de estratégia que, muitas vezes, passa por procurar parceiros estratégicos, tanto do lado da fruição, definindo públicos, como do lado da criação, tecendo uma rede de promotores e programadores culturais. E, por fim, para que se alcancem as condições mais vantajosas, é curial que o Centro Cultural do Cartaxo se candidate à rede nacional de teatros.

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