Pragas e outras maleitas

Crónica de José Caria Luís

Hoje, não vou entrar pelas pandemias adentro, até porque não sou um erudito na matéria. Em termos histórico-científicos, estou convicto de que alguém mais habilitado o fará nas páginas deste nosso Jornal, o de “Cá”. Mesmo assim, penso que, de modo superficial e breve, posso abordar o tema que tanto aflige a humanidade.

Epidemias e pandemias sempre as houve, embora saibamos que as ditas não se têm instalado por cá de modo duradouro. Se descermos ao séc. XIV, veremos quão mortífera foi a peste negra nos meados daquele século. À época, e só em Lisboa, terão perecido mais de seis centenas de milhar. Cá pela Europa, nos séculos XVI e XVII, também a Áustria, a Itália, Espanha e Inglaterra, sofreram sérios reveses com tal praga. Foram milhões e milhões de mortos. Já no séc. XIX, em Lisboa e no Porto, com bactéria importada de Macau, também houve centenas de milhares de mortos provocados pela peste bubónica.

Pois bem! Tudo foi, e continua a ser, muito mau, muito grave, mas para quem, como eu, já viu a série televisiva “Walking Dead”, ou já leu o “Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago, e se predisponha a encarnar uma qualquer personagem das sagas, já estará mais bem preparado psicologicamente – que não fisicamente – para enfrentar a praga.

Agora, de modo mais leviano e no sentido de aliviar a carga mental que atormenta o pessoal, também nós, rapazes e raparigas do Cartaxo e de suas freguesias, passaram por algumas tormentas ao longo das décadas de 40, 50 e 60, do séc. XX. Além das habituais gripes nominais, também as bexigas doidas, papeira e sarampo nos fustigaram o corpo, a alma e a mísera carteira. Gente houve que nunca, em tempo algum, tenha ido ao médico. Mas estas maleitas, que constituíam perigo para a saúde, não estavam sozinhas. Outras pragas, bem mais leves, também nos afetavam o corpo e constrangiam o ego. Como poderíamos nós sair de casa, em pleno verão, emoldurados em gorjeira, só para que a cusca da vizinha do lado ou o par que nos calhava em sorte no baile, não detetassem as mordidelas das pulgas no pescoço? Era horrível! As dentadas das malditas pulgas não nos magoavam o corpo, mas a alma, essa ficava dilacerada pelo efeito. Ainda se o grafismo tivesse um mínimo de harmonia, sincronizado, que se pudesse confundir com uma epiderme sardenta, vá que não vá, em certas caras até ficariam bem, agora assim, semeado a granel como se fora em dia de tempestade, é que não. E o dinheiro que se gastava em purgas, pós brancos e outras mezinhas destinadas (criamos nós) a eliminar a bicharada… Lembro-me de uns pacotes com um pó esbranquiçado, da marca “Gamexame” que, ao invés de acabar com tal má raça, ainda as engordava mais. Gordas e luzidias, quais gatos siameses.

Coabitando com o dito pulguedo, mas em espaços mais arejados, pastavam os cinzentos piolhos. Não concorriam entre si, mas sim de cabeça para cabeça. Era a ver quem era o puto que exibia o maior lote de piolhão de asa na mona. Ele era petróleo, álcool e até vinagre, tudo o que era tóxico se experimentava, porém sem sucesso. Cabeça rapada a zero, à navalha de barbeiro, e nem assim.

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Como se vê, há Pragas, pragas e praguinhas.

*Artigo publicado na edição de abril do Jornal de Cá.

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