Nunca mais começa o outono, com o verão sempre cada vez maior, a devorar mais dias todos os anos. Dizem que é do aquecimento global, dos gases poluentes, do consumo desenfreado de coisas “made in China”. Na vindima deste ano não choveu um único dia, talvez uns pingos de borrifo para assentar o pó do marasmo dos campos. Dizem que este ano é que vai ser um ex-líbris de vinho.
Não me recordo de ver o rio Tejo tão seco, cheio de aluviões e de serpentes de água cada vez mais finas a serem comidas por bancos de areia. No açude da Agolada, às portas de Coruche, o nível da água está tão baixo que em certas zonas podemos passar a pé entre margens. Com sorte de principiante, os meus petizes estrearam-se na pesca de rio, pescando dois achigãs, sendo que um deles tinha tamanho suficiente para ir para a frigideira. Eu não tive a mesma sorte, pesquei muitos gambuzinos. Talvez o peixe conheça raposas velhas e adultas: não picou sequer o isco e só roubava o engodo que dei às águas para a fauna anfíbia.
Das últimas cheias que me lembro, a Ponte D’Asseca ficava alagada, a Ponte de Celeiro transbordava, as palafitas das casas das Caneiras à borda d’água ficavam submersas, a Ribeira de Santarém transformava-se na Veneza ribatejana com gôndolas de borracha, com os bombeiros a levar mantimentos de porta em porta, e quando o rio passava os diques do Reguengo, já com Valada no meio do rio, a cidade de Santarém ficava uma ilha. O que era espectacular, porque não tinha muitas aulas durante a semana e ia todas as noites com o meu pai à Ribeira de Santarém, ao pé do Café Condeço, para ver se a água do rio chegava à linha do comboio.
Depois da seca, que venha a bendita chuva com as mudanças que se aproximam, pois está na altura de dilúvios, de lavagem de terras e almas adormecidas. Desde que não chegue aos pés da Santa Iria, não vá o São Pedro mandar água marciana.