Professores em luta pela Escola Pública

Por Movimento de professores do Agrupamento de Escolas Marcelino Mesquita do Cartaxo

Os professores acordaram. A frustração, indignação e desgaste que se tem propagado pela classe docente nos últimos anos deu lugar à luta, conforme se verificou pela adesão à greve por tempo indeterminado e que levou ao encerramento de várias escolas; pelos momentos de protesto à porta das mesmas e, naturalmente, pela manifestação que no passado dia 17 de dezembro reuniu mais de 25000 professores em Lisboa.

Os professores acordaram e ergueram-se. Em 2019, o professor Santana Castilho referia-se à árdua tarefa daqueles que, devendo dedicar-se a ensinar, a transmitir conhecimentos e a formar intelectualmente os seus alunos, “acabam psicólogos, assistentes sociais, funcionários administrativos, instrutores de processos disciplinares, mediadores parentais, vigilantes de recreios, socorristas e tudo o mais que um escabroso assédio laboral e moral lhes despeja em cima”. Por isso, a classe tantas vezes rotulada como eternamente insatisfeita ergueu-se, não apenas para reivindicar com mais força os direitos que lhe têm sido negados, como também para dizer “Basta!” à sucessão de más políticas educativas que se têm implementado e que afastam a Escola do seu objetivo máximo: um ensino de qualidade para os jovens; a formação cívica, intelectual e humana daqueles que nas suas mãos têm a sociedade do amanhã.

Nesse sentido, importa perceber o que fundamenta o descontentamento destes profissionais que muitos consideram privilegiados:

A precariedade. Um professor contratado aufere mensalmente pouco mais de 1100 euros líquidos e, pese embora a inegável falta de professores, muitos deles veem-se obrigados a dedicar metade (ou mais) do seu vencimento a despesas de alojamento e deslocação. São esses mesmos professores que semanalmente abandonam os seus lares e congelam a sua vida pessoal de segunda a sexta, para exercer a profissão que os consome lentamente e que, além do sucesso dos seus alunos, pouco respeito e valorização lhes oferece. Sabia que um professor pode viver nestas condições durante décadas? Sabia que apesar da falta de professores continua por definir um modelo de vinculação dinâmica? Não admira que esta não seja uma profissão atrativa para os jovens, nem que tantos dos que seguiram o sonho tenham desistido, procurando a almejada estabilidade noutras áreas profissionais.

A falta de condições de trabalho. Quando finalmente consegue vincular e entrar na carreira, não raras vezes décadas mais tarde, o professor encontra novos entraves à sua afirmação profissional: depara-se com sistemas de quotas que o relegam, mais uma vez, à estagnação; com uma avaliação de desempenho pouco transparente e ao serviço das referidas quotas. Com dezenas de horas dedicadas à burocracia, ao preenchimento de grelhas e documentos infinitos, tantas vezes armazenados numa base de dados como mera evidência do trabalho desenvolvido, como pode o professor investir no seu crescimento intelectual e cultural? Cada vez menos o professor dispõe do tempo necessário para enriquecer as suas aulas. Planificar, executar, refletir e aperfeiçoar são processos e etapas indispensáveis a um processo de ensino-aprendizagem com qualidade crescente. Talvez por isso, o professor Santana Castilho confirme a urgência de

retomar “a independência intelectual necessária para impedir que o ato pedagógico se transforme em prática administrativa ou obediência doutrinária”.

Com efeito, o descontentamento desta classe é mais do que legítimo. Mas por que agora, se os professores têm sucumbido vezes sem conta nestes anos de luta e reivindicação? Talvez porque já não conseguem calar mais e tiveram de reunir forças que não sabiam existir. Talvez por receio de que o pior ainda esteja para vir. O Ministério de Educação propõe agora um novo modelo de gestão que passa, nomeadamente, pela partilha e transferência de competências para o poder local. Ora, a memória coletiva da classe mantém presente a experiência da bolsa de contratação de escola (BCE), o que legitima a inevitável angústia de quem antecipa nessa descentralização o caminho para a definição de critérios dúbios no processo de seleção e distribuição dos docentes pelas escolas. Teme-se que este modelo, à semelhança de outras propostas malsucedidas, acarrete, por um lado, mais precariedade: ultrapassagens, desigualdades e injustiças entre os professores; e, por outro, que se traduza em mais um momento de desatenção às reais necessidades dos alunos, servindo outros interesses que não os deles.

Os professores acordaram e ergueram-se. Reconhecendo na Educação um dos alicerces da sociedade, urge respeitar e valorizar os agentes que diariamente respondem ao desafio de se ser professor nos dias que correm, aqueles que nas suas mais diversas facetas proporcionam aos jovens bastante mais que conteúdos programáticos e que, com frequência, são também pilares para os pais e encarregados de educação, pois submersos na difícil tarefa de governar a família num período de crise como o que atravessámos, encontram no professor o aliado para não descurar o mínimo sinal de alerta no acompanhamento dos seus filhos.

Os professores acordaram e ergueram-se. E o Agrupamento de Escolas Marcelino Mesquita do Cartaxo não foi exceção. Através das ações que dinamizaram no passado mês de dezembro, os docentes procuraram informar e sensibilizar os pais e encarregados de educação, dando-lhes a conhecer os contornos da sua luta. Entendendo que a qualidade da Escola Pública é uma preocupação de todos, apelou-se à comunidade para que, no cumprimento daquilo que é, simultaneamente, um direito e um dever, se exija a melhor Escola que os alunos merecem e, por conseguinte, a valorização daqueles que diariamente contribuem para a melhor formação dos mesmos.

Os professores acordaram e ergueram-se. Porque lutar por uma Escola Pública com qualidade crescente é o melhor investimento que cada cidadão pode fazer em prol do futuro do país.

Isuvol
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