Quem nunca?

Opinião de João Fróis

Pablo Neruda definiu a liberdade como algo que cada um exerce nas suas escolhas, ficando no entanto preso às consequências das mesmas. Esta dialética instável do que é ser livre coloca-nos sempre sob uma imensa tensão ética na relação com o outro. E nos dias que correm a pressão sobre o exercício da liberdade é quase absurda face aos desmandos egocêntricos da busca da felicidade que o modelo económico-social vigente nos impõe.

Há dias o deputado Paulo Rangel foi filmado a cambalear numa rua de Bruxelas, com sinais evidentes de embriaguez. O autor do vídeo caseiro seguiu Rangel e só descansou quando este olhou o smartphone e mostrou assim a sua identidade. Muitas questões se colocam aqui mas a violação grosseira da liberdade surge à cabeça das demais. Que direito tem alguém de filmar outrem e colocar essas imagens no infindável mundo da internet, sem o seu consentimento?

Durante largos anos fomos habituados a escândalos com os famosos paparazzi, indivíduos sem escrúpulos que fotografam celebridades em cenas da sua privacidade, obtendo dividendos chorudos com a sua venda e posterior divulgação em tablóides sensacionalistas. Quem não se recorda da perseguição à princesa Diana em Paris e que terminou de forma trágica num túnel da cidade Luz? Nada se provou mas a pressão sobre a privacidade foi óbvia e a sombra negra da dúvida instalou-se.

Com a poder tecnológico dos nossos aparelhos portáteis, temos atualmente nas mãos uma arma de destruição massiva da personalidade, do bom nome e da honra de qualquer cidadão que se torne um alvo da estupidez, ganância e falta de escrúpulos e respeito pelo próximo. Divulgar imagens do foro privado, mesmo que tiradas em espaço público, é um atentado à liberdade de outrem e se ainda não é crime é evidente que o será muito brevemente, tal a escalada de julgamentos no novo éter, as redes sociais.

Por estas razões e tantas outras não admira que haja países onde a tentação de manipular a nossa liberdade esteja a acontecer, como sucede na Hungria, onde foi proibido apoiar a homossexualidade na internet. Se estas derivas demagógicas e autoritárias são condenáveis, atos como o de pôr Rangel na mira dos justicialistas bestiários, não o são menos.

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Em boa verdade vivemos tempos perigosos. A falta de respeito pelo próximo, em toda a sua extensão, é uma triste e evidente realidade e entra-nos olhos dentro todos os dias, seja na rua, nas notícias, nas redes sociais, em meios públicos mas também privados. As fogueiras da nova inquisição ardem sem parar e as vítimas da sua voracidade são em número cada vez maior, sem olhar a condição social.

Se Paulo Rangel excedeu os seus limites de tolerância ao álcool, estando a pé, o que é louvável, é apenas um problema seu. E por ser figura pública, ao estar em horário de descanso, está no seu pleno direito de viver como bem entender e tal como qualquer um de nós, merece ser respeitado na sua privacidade. Sem mas e ses. Tout court. Quem nunca se excedeu que atire a primeira pedra…

*Artigo publicado na edição de agosto do Jornal de Cá.

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