“Invictamente”, por João Fróis
A velha Europa, nascida da mitologia grega, está sem rumo. E entregue a um sem número de circunstâncias tão díspares entre si que alvitrar previsões afigura-se tão improvável como acertar no Euromilhões…
Sendo nós europeus de direito e com uma longa jornada de afirmação neste continente onde se deram grande parte dos maiores avanços civilizacionais, é com avisada preocupação que assistimos à profusão de acontecimentos que varrem autenticamente os destinos da casa a que nos habituámos a ver como um baluarte, inexpugnável.
Na ressaca da crise interna da UE, com uma “guerra” intestina entre o norte e o sul, bem ilustrada na nova versão da tragédia grega, somos confrontados com o fenómeno imparável das migrações mediterrâneas que mais do que unir, têm dividido as correntes ideológicas e as fações políticas deste imenso caldo cultural que a Europa sempre foi. Hoje a palavra que se impõe é a desunião. E a lamentável ocorrência do homicídio de uma deputada inglesa defensora da continuidade na UE, vem apenas trazer à tona dois fenómenos que vão ensombrando os céus do velho continente. As divisões profundas entre os defensores e os céticos da UE e a radicalização social de movimentos nacionalistas e populistas que ameaçam fazer renascer os traumas do horror que a 2ª grande guerra personificou.
Os protestos sociais sempre fizeram parte da construção do edifício europeu e as clivagens entre diferentes opiniões e visões sempre coabitaram, nem sempre pacificamente, no teatro geopolítico que se foi redesenhando na ressaca dos grandes conflitos. Mas a paz interna que a UE permitiu e de alguma forma foi prometendo, forçando o mote após a sangrenta guerra dos balcãs, começa a esboroar-se e a deixar antever os piores cenários para a manutenção do que antes fora um garante. A pressão económica e financeira agudiza a perda notória do poder político face aos “mercados” que agora parece marcarem, inapelavelmente, a agenda e as decisões mundiais, fazendo crescer um descontentamento social que se está a agudizar em múltiplos sectores da sociedade, face à perda de poder de compra, ao desemprego galopante, à incerteza atroz sobre o seu futuro próximo, que é imposta a todos.
Neste cenário complexo o terrorismo tem galopado por entre as imensas fragilidades da outrora muralha defensiva europeia e feito vítimas inocentes e aberto feridas difíceis de sarar, na confiança e esperança que sempre uniu mais do que o seu contrário, entre os diferentes povos, línguas, credos e convicções que fazem esta Europa imensamente plural.
De outras bombas vão fugindo populações a que roubaram o pão, as casas e o presente, entrando com uma esperança resiliente em barcaças sobrelotadas neste imenso “mare nostrum” que agora se vai tornando num cemitério de inocentes, rumo a uma Europa que assiste impávida e serena a este massacre às suas portas e pouco faz para se entender e dar guarida a quem apenas pede acolhimento e paz. A mesma paz que lhe foi negada pelos radicalismos que crescem no Oriente e que se alimentaram dos despojos que esta mesma Europa deixou por esse mundo fora quando se arrogou Imperialista e ditadora dos destinos de mundos a que chamou “terceiro”. Invadiu, expropriou, retalhou, dividiu a seu belo prazer durante séculos e agora parece impotente para saber acolher quem é vítima da queda da sua influência no mundo e das feridas que lá ficaram e geram agora ódios e ataques aos anteriores “senhores” feudais.
E entretanto rola a bola nos estádios de França, movimentam-se milhares de cidadãos apoiantes dos seus países e nas ruas estala a violência gratuita, despudorada e a fazer reviver outros velhos fantasmas que foram abalando esta mesma Europa. França resume dentro das suas portas grande parte dos “males” que ameaçam a estabilidade continental. A ameaça do terrorismo, os radicalismos extremistas de hordas bem orquestradas que geram o conflito e semeiam o pânico, greves massivas que saltam para as ruas e paralisam a atividade económica. Para piorar o clima, já de si igualmente instável e imprevisível, assolou o retângulo gaulês com chuvas diluvianas a lembrar que as alterações climáticas não são uma fantasia e que já estamos a pagar o preço alto da nossa desmesurada pegada ecológica.
Se fosse apenas isto, estaríamos todos em colapso mas na verdade, a vida continua e paredes meias com os arruaceiros vemos turistas a passear alegremente entre as belezas culturais que esta europa secular oferece. A esperança existe e deve ser alimentada. Mas os problemas que assolam a união e os demais países europeus assumem uma importância fulcral no destino coletivo e ondas de choque que se avizinham com o Brexit podem vir a fazer, senão cair, balançar furiosamente, os pilares da construção europeia que nasceu no pós-guerra e cimentou a prosperidade do projeto transnacional.
Muitos já não se lembram de Portugal antes da entrada na então CEE em 1986 mas dificilmente, mesmo com os habituais problemas estruturais que ainda temos, estaríamos hoje com o nível de desenvolvimento que felizmente, alcançámos, se não tivéssemos aderido. Há questões fulcrais que terão de ser resolvidas dentro da UE, sob pena de assistirmos à sua desintegração em favor dos separatismos populistas e dos extremismos ideológicos que vão ganhando peso nos parlamentos essa europa fora. Aguardemos pois as cenas dos próximos capítulos e acalentemos a esperança de que possamos sair vencedores, não do europeu futebolesco (que só faria bem à identidade nacional), mas do nosso papel e posição dentro da união e do seu futuro próspero para a Europa de todos nós.