O telemóvel chegou há pouco mais de trinta anos e já ninguém passa sem ele. Adultos, jovens e crianças usam-no em todo o lado e a toda a hora e não o largam para (quase) nada
Existem cerca de 20 milhões de telemóveis em Portugal
Quem nunca se deparou com um grupo de crianças com os olhos postos nas mãos que seguram um telemóvel? Quem nunca reparou em casais de jovens ou menos jovens, no café ou no restaurante, com os olhos postos no telemóvel, sem trocar uma única palavra? Quem nunca se deu conta de famílias, com crianças ou jovens, em volta da mesa no restaurante, silenciosamente agarradas ao telemóvel? Quem nunca viu é porque, provavelmente, também se encontra fixo no telemóvel, em qualquer uma destas situações.
A verdade é que os telemóveis chegaram, evoluíram e com eles mudou a forma de estar da sociedade, em geral. Todas as situações acima descritas dão conta de um aparelho tecnológico que transporta as pessoas, dos oito aos 80, para uma realidade que deixou de ser baseada em relações físicas para passar à realidade virtual. E não falamos só de jogos, falamos de relações entre pessoas que, por muito que se estreitem com a proximidade que estes aparelhos permitem, deixaram de ser genuínas, porque passaram a ser feitas através de telemóvel. Falamos de relações entre casais, entre pais e filhos e entre amigos, que deixaram de conversar, olhos nos olhos, em momentos de reunião, como as refeições, as pausas no trabalho e os intervalos das aulas, entre outros momentos em família e com amigos.
Relações exigem empatia
É muito difícil, para não dizer impossível, estabelecer uma relação pessoal, com o que tudo isso implica, através de um aparelho, sem olhar olhos nos olhos, sem sentir o outro. Não é possível estabelecer uma empatia ou uma relação mais emotiva se não nos relacionarmos fisicamente com as pessoas. “A empatia desenvolve-se cara a cara, pelo telemóvel isso não se percebe”, diz-nos a psicóloga Sónia Parente, para quem este é um problema cujas repercussões se vão sentir, mais cedo ou mais tarde, na sociedade em que vivemos, porque as pessoas “não praticam tanto as competências sociais”. Isto porque, segundo explica, estas “não são necessárias; não temos obrigação de nos mostrar e de nos abrir e demonstrar se somos mais expansivos ou mais fechados, porque estamos escondidos por detrás do telemóvel (que também inclui o fenómeno da internet)”.
Em Portugal, as crianças têm, em média, o primeiro telemóvel aos 9 anos e o smartphone aos 12
Na população jovem já é comum terminar o namoro ou relações de amizade através de mensagem. “É mais fácil de fugir às dificuldades”, refere Sónia Parente. “Evitam-se os conflitos, não há sequer uma conversa nesse sentido. Facilmente se apaga o contacto do telemóvel e acabou ali.” Ainda segundo a psicóloga, “o telemóvel torna tudo muito mais fácil”.
O telemóvel deixou de ser um acessório, acima de tudo para a camada mais jovem da população, que o utiliza como uma extensão do próprio corpo. Muitos só o largam para tomar banho, até dormem com ele. Não são raros os casos que o confidenciam, alegando que assim estão sempre contactáveis. As relações com os amigos tornaram-se mais intensas e permanentes, mas estabelecem-se mais via telemóvel, gerando menos empatia, essencial nas relações.
Crianças crescem sem se saber relacionar
Quando se trata de crianças o problema pode ser ainda mais grave, pois não aprendem a crescer. Para a psicóloga é importante que as crianças aprendam a relacionar-se. “As crianças precisam de brincar e de se relacionar. É a brincar que se aprende a relacionar e não é a brincar com jogos electrónicos, é a brigar, a saber defender- se e a querer impor- se”, explica, acrescentando que estas são “competências sociais que se apreendem através das relações, das brincadeiras, através do relacionamento pessoal”.
34% das crianças e jovens portugueses têm um smartphone
O facto de estarem sempre em contacto, pelo telemóvel, como acontece atualmente, não quer dizer que estejam mais próximas. Desta forma, “não crescem como pessoas, a todos os níveis”, adianta Sónia Parente, que lida diariamente com crianças e conta que, em muitos casos, durante as férias de verão, os miúdos não chegam a encontrar-se uma única vez para brincar com os amigos. Chega-lhes bem trocarem mensagens, nem sequer têm o hábito de telefonar e falar através do telemóvel. Ou seja, mantêm-se em contacto, se for preciso, todos os dias, mas não comunicam, não brincam, não jogam, não se veem, a não ser pela internet.
28% das crianças europeias entre os 9 e os 12 anos acedem à Net com smartphones
E porque são crianças, com a ingenuidade e inocência que lhes é inerente, o uso do telemóvel pode ainda trazer riscos a nível da sua segurança. É muito fácil, segundo a psicóloga, ludibriar uma criança através do telemóvel, pois não conseguem perceber quem está do outro lado e muitas vezes vão na conversa, pensando ser uma brincadeira de um amigo quando, na verdade, pode ser um adulto mal intencionado. Daí que, para Sónia Parente, seja natural, nos dias de hoje, dar um telemóvel a uma criança de dez anos, mas “com o controlo dos pais”, para evitar certos dissabores. A psicóloga é da opinião de que “os pais devem dar um telemóvel aos miúdos quando é mesmo necessário, mas deve ser um aparelho que sirva para fazer e receber chamadas e só de e para determinados números”.
O lado positivo
Mas nem tudo é negativo. Se atendermos ao lado útil do telemóvel, percebemos que temos a vida muito mais facilitada desde que este aparelho surgiu, há cerca de trinta anos. Por exemplo, por questões de segurança, para os pais com filhos em idade escolar, que trabalham e não podem contar com o apoio de familiares ou amigos, o telemóvel pode ser a garantia de que estão contactáveis sempre que necessário.
Ainda assim, as crianças devem ser incentivadas a utilizar o telemóvel com responsabilidade, desligando-o quando estão na sala de aula ou durante outras atividades (desportivas, culturais ou escolares) que dispensem a sua utilização. Uma utilização responsável do telemóvel e adequada às necessidades das crianças evita que estas se tornem demasiado dependentes deste meio tecnológico que, muitas vezes, as distrai dos estudos e as conduz ao isolamento, principalmente quando se trata de telemóveis de terceira e quarta geração, completamente desadequadas a estas idades. Para Sónia Parente, “os smartphones não servem para mais nada senão para se andarem a pavonear diante dos outros porque têm um. Eles querem estes aparelhos, nitidamente, para mostrar e porque o colega também tem”.Outro aspeto positivo que Sónia Parente aponta é que “as crianças adquirem maior facilidade e habilidade em trabalhar com as novas tecnologias”. Por outro lado, também a ver com questões de segurança, podem pedir ajuda sempre que necessitem, a qualquer momento, em qualquer lado
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