Torres de papel

Opinião de João Fróis

Cumprem-se hoje 16 anos dos atentados às torres gémeas em Nova Iorque. Uma data que se veio a confirmar como um volte face na escalada do terror internacional e na forma como este passou a ser parte das nossas vidas. Se à época fomos surpreendidos com a violência atroz e catastrófica que a bestialidade humana foi capaz de gerar, ao longo dos anos seguintes fomos sendo estranhamente compelidos a aceitar a inevitabilidade do terror, por mais repugnante e injustificável que nos parecesse. Foi assim que Atocha entrou a vermelho sangue nos noticiários, manchando de luto Madrid e foi também assim que o metro de Londres abanou aos gritos de dor. Marcas que o tempo vai remetendo a um quase esquecimento, tal a profusão de atentados recentes e com cada vez maior frequência.

Entendemos a vontade expressa de não ceder ao terror, continuando a defender a liberdade mas não nos podemos resignar à inevitabilidade de podermos estar no local errado à hora errada e engrossarmos a lista tenebrosa das vítimas destes odiosos e aberrantes atentados terroristas. Há que fazer algo mais e sem dúvida que a Europa tem de se unir e tomar decisões, provavelmente menos tolerantes mas mais eficazes e assertivas e que possam defender o futuro de todos nós. E olhar para trás e aprender com os erros é imperioso. Nesse sentido cabe-nos compreender o impacto profundo das decisões políticas e militares na geopolítica mundial deste início de milénio.

Após anos de ocupação militar do Iraque na sequência da primeira guerra do Golfo e da gestão de conflitos entre xiitas e sunitas naquela região sensível, os atentados surgem como uma resposta estrondosa de uma Al Qaeda sanguinária e com raízes profundas no Afeganistão e na dura e longa guerra onde norte-americanos e russos andaram em confronto. Mas a natureza humana impele a vingança e a resposta militar do mundo ocidental veio em 2003 com a ocupação do Iraque na apelidada operação de liberdade. Sabemos o que sucedeu. Assentes na defesa do mundo tal como o conhecemos, a justificação da invasão ganhou a força quase mítica de lutar contra as armas químicas e nucleares de Saddam Hussein, à época um ditador temido e todo poderoso no médio oriente. Esta imagem tornou-se um dos maiores embustes políticos conhecidos com a queda patética de um regime de “papel” e que claramente não tinha qualquer capacidade militar de monta, fazendo da ofensiva uma tão injustificada quão abusiva “resposta” do conluio americano-europeu e que ficou manchada pelas sombras negras do controlo do petróleo num Kuwait injustiçado e vieram a jorrar sobre os que se disseram libertadores. O julgamento e execução bárbaras de Saddam em 2006, após este andar escondido em covas qual animal acossado, deixou-nos um amargo de boca difícil de suportar. A sensação de estarmos a ser pouco mais que justiceiros e assim em nada melhores que os que dizíamos bárbaros e a incerteza de termos feito o correto e mais avisado, face a um contexto histórico e regional complexo e pejado de episódios sangrentos e nebulosos onde nunca se descortinou o certo do errado e o bem do mal.

A posterior queda de um excêntrico Kadafi e o dealbar da primavera Árabe em vários países do médio Oriente e sobretudo no Magrebe, deram a ideia de um avanço histórico na região e da possibilidade de a democracia poder também aí ganhar pulso. Em boa verdade não foi assim que sucedeu e sem espanto assistimos a substituição de pedras mas à manutenção dos regimes. Estas sociedades antigas regem-se por tradições religiosas poderosas e por propósitos dificilmente entendíveis à luz das nossas crenças iluministas. E se há algo que devemos aprender é que são esses países que têm de encontrar as melhores soluções dentro de si mesmos, com o apoio da comunidade internacional mas não a ingerência, tida sempre como grosseira e ofensiva e como tal geradora de conflitos e “intifadas”. A mais recente e horrenda guerra na Síria mostra-nos quão venenosas são as sementes do ódio e o pouco que vale a vida humana às mãos da barbárie. E fenómenos como o Daesh, nesse apelidado estado islâmico, professam o terror como bandeira, o caos como resposta justiceira a séculos de repressão e reclamam o regresso do apogeu muçulmano dos califados ibéricos e magrebinos. A história é a raiz e o mote destes movimentos obscuros, sendo apropriada para todos os fins que a sua distorção permita.

É nessa mesma história que temos de perceber como ao longo dos tempos estes povos, tão diferentes de nós, foram aceitando e integrando as naturais diferenças culturais entre o ocidente e esse oriente cristalizado no tempo. E se hoje assistimos a uma lenta “invasão” desses povos e vamos descortinando que no seu seio se mantêm inalterados nas suas convicções profundas e na não aceitação dos princípios e valores dos países que os acolheram, então urge agir e separar o trigo do joio, isolando os terroristas e os que o alimentam e dando espaço aos que professam a paz e a desejam. É trabalho hercúleo e moroso mas possível. A Europa de Schengen assenta na tolerância e respeito entre povos mas abriu as portas aos que abusivamente se aproveitaram desta clemência e quase inocência para nos ir corrompendo e amedrontando a partir de dentro. E não podemos cair na demagogia do sectarismo e da xenofobia, julgando sem critério e punindo sem lei. Mas temos de agir isso é certo. Sob pena de em dezenas de anos podermos ver ruir a Europa solidária e tolerante, assente na liberdade e no respeito que a revolução francesa nos trouxe e cresceu até ao estado social dos dias atuais. Assim como as torres gémeas caíram como torres de papel, também o edifício europeu e as suas muitas torres podem vir a colapsar e soçobrar às mãos destas ameaças constantes e poderosas.

Diz-nos a história que todos os impérios caem. Sempre assim foi. Cabe-nos entender quem é o quê e que novos rumos se vislumbram.

Isuvol
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