Um lugar de sangue e lágrimas

Opinião de Afonso Morango

Em abril de 1945, os Aliados penetraram profundamente no território da Alemanha nazi. Com o fim da guerra à vista, todos aqueles que estavam conscientes dos crimes que tinham cometido tentaram destruir o maior número possível de provas. Foi a Alemanha nazi que foi responsável pelo Holocausto e a Solução Final marcou a história como uma das ações mais sombrias da humanidade.

A história da Alemanha nazi não pode ser vista de forma isolada do que era a visão do mundo nazi. O Holocausto foi o resultado da ideologia nacional-socialista, claramente presente em Mein Kampf. Hitler nunca escondeu a sua conceção essencialmente racista da humanidade nem o seu desprezo pela democracia e os valores que esta representa, tendo o indivíduo valor apenas como instrumento do estado racista.

As doutrinas racistas tinham enraizado profundamente nas ideias da maioria dos povos do Velho Continente muito antes da chegada dos nazis ao poder na Alemanha. Inspirado pela teoria da seleção natural de Charles Darwin, o darwinismo social difundiu a ideia de que os “mais fortes” tinham o direito natural de governar e dominar os “mais fracos”. A questão judaica era, para muitos, não apenas uma questão económica, mas uma questão de raça e cultura. O judaísmo era a ruína de todos os povos da Europa.

Segundo os nazis, o renascimento e a redenção da Alemanha só seria possível através de uma política que pusesse em prática os princípios da biologia racial, eugenia e antissemitismo. O seu objetivo era criar uma sociedade “raça pura” e homogénea que reconhecesse as diferenças “naturais” entre os seres humanos. As Leis de Nuremberga de 1935 traduziram esta política na prática, estabelecendo a separação dos judeus do resto da sociedade, a fim de proteger “o sangue e a honra alemã”.

H. S. Chamberlain, um teórico que influenciou fortemente a ideologia nazi, declarou que nada transmite maior convicção do que a consciência de possuir uma raça, que o homem que pertence a uma raça distinta e pura nunca perde tal sentido. Argumentou que a raça eleva o homem acima de si mesmo, dando-lhe poderes extraordinários, quase sobrenaturais, separando-o tão claramente do indivíduo que emerge da amálgama caótica de povos de todas as partes do mundo.

Ler
1 De 417

Contra a doutrina que defendia a igualdade de todos os seres humanos, o Nacional-socialismo defendeu o reconhecimento “duro, mas necessário” das diferenças básicas entre os seres humanos e criou a base ideológica necessária para o Holocausto, estabelecendo as condições psicológicas e técnicas para a sua realização. De 1933 a 1945, a perseguição e o genocídio varreram a Europa. O território da Europa tornou-se um lugar de sangue e lágrimas. A Estrela de David tornou-se um símbolo de ódio, os guetos a encarnação da segregação violenta e os comboios de mercadorias partiram em direção às fábricas da morte. Auschwitz é hoje uma das memórias mais poderosas que todos nós deveríamos carregar.

Os seres humanos são verdadeiramente génios, para o bem e para o mal, e infelizmente alguns dos maiores avanços tecnológicos foram feitos em tempos de conflito e utilizados para o mal. A tecnologia alemã destinada à destruição durante a Segunda Guerra Mundial, tal como os foguetes V-2, foi a mesma tecnologia que colocou o Homem na Lua. O trabalho de Fritz Haber permitiu o desenvolvimento de fertilizantes que trouxeram mais abundância de alimentos, mas, por outro lado, as suas descobertas contribuíram para o desenvolvimento do gás utilizado para matar milhões de pessoas durante o Terceiro Reich. Parece que para cada boa ação, há sempre alguém que procura fazer o pior da bondade humana, seja para o lucro ou apenas para o mal. Face a uma assustadora e familiar conjunção de circunstâncias em que as vidas humanas são desprezadas, devemos, mais do que nunca, olhar para trás e aprender com as brutalidades do passado.

*Artigo publicado na edição de fevereiro do Jornal de Cá.

Isuvol
Pode gostar também