Um olhar para trás

Opinião de Afonso Morango

No mundo ocidental, o século XX despontou sob o signo do demoliberalismo. Direitos individuais, como a liberdade e a igualdade, eram garantidos por um Estado que se pretendia neutro e assentava numa clara divisão de poderes. O Homem e o cidadão ganhavam em dignidade e parcelas cada vez mais amplas da população encontravam representação na governação. A própria vitória dos Aliados na “guerra para terminar com todas as guerras” parecia ter inaugurado uma sociedade mais justa, fraterna e baseada no triunfo das nacionalidades que tanto preocupava o Presidente Wilson. Mas as soluções autoritárias, graças a diversos acontecimentos e ações, começaram a ganhar terreno e os totalitarismos começam a escrever uma das páginas mais negras do grande livro da História humana.

Em 1932, no décimo aniversário da Marcha sobre Roma, Benito Mussolini previu uma Europa inteiramente fascista nos dez anos seguintes. Em 1933, na Alemanha, Hitler sobe ao poder e a sua consolidação, acompanhada de regimes conservadores e autoritários, transformaram o Velho Continente num lugar de aperto para os direitos do cidadão, motivo de tanto orgulho para os povos ocidentais desde a Revolução que tanto mudou.

O fascismo espreitava por toda a parte, explorando e exacerbando ao máximo descontentamentos. Até nas insuspeitas França, Inglaterra, Suíça e Noruega, onde as democracias experimentavam vitórias retumbantes, despontaram simpatias fascistas. Mas esta vaga autoritária não se limitou à Europa. No Brasil, Argentina e Chile, as democracias não resistiram à ascensão de chefes que se apoiaram no proletariado urbano e nas forças armadas para criarem ditaduras populistas decalcadas dos modelos fascistas europeus.

A falência dos mecanismos de segurança coletiva e o fim do equilíbrio que se tomava como garantido, e que acabou por levar ao conflito mais sangrento da História na década de quarenta, foi também clara na Ásia, onde o Japão invade a Manchúria e envereda por um caminho imperialista e de conquista desenfreada, contrariando assim a ideia de que o país caminhava rumo a uma democracia.

Por outro lado, Mussolini, resolvido a trazer de volta a glória de Roma, invade a Etiópia, um Estado reconhecido e membro da Sociedade das Nações. A Alemanha, em seu turno, lançada na conquista do “Espaço Vital”, acabou por gozar da mesma impunidade e o plebiscito de 1935 dá novamente a região do Sarre à pátria germânica, que acelera o programa de rearmamento e a ambição de Hitler em criar uma Grande Alemanha e o seu Reich de Mil Anos viria a abanar o mundo como nada antes o tinha feito.A Alemanha tirava partido das hostilidades entre as democracias ocidentais e o regime soviético, negociando com o inimigo bolchevista o Pacto de Molotov–Ribbentrop, onde estaria assegurada a política de não-agressão entre as duas potências.

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A primeira metade do século passado é vista como a “Era da Catástrofe”, assinalando o colapso da civilização ocidental do século XIX. As duas guerras enfraqueceram a quase totalidade das nações, acabando por dar aos Estados Unidos o papel de ator principal no teatro internacional e contribuindo para a bipolarização do mundo que teima em voltar nos dias que correm.

Vivemos hoje sobre as cicatrizes do passado e, numa altura em que a sombra do autoritarismo procura, uma vez mais, estender-se a todo o Velho Continente, talvez importe olhar o passado e perceber, verdadeiramente, quanto vale a Democracia.

*Artigo publicado na edição de junho do Jornal de Cá.

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