Na “Jangada de Pedra”, José Saramago, o escritor que dá nome à sala de espectáculos do Centro Cultural do Cartaxo (e que também ganhou um Prémio Nobel da Literatura), ficcionava a Península Ibérica a separar-se da Europa e nós e “nuestros hermanos” a vogar à deriva pelo Oceano Atlântico, enquanto aproveitava o facto e os episódios de que se lembrou para elaborar e ironizar sobre a vida, as pessoas, as autoridades e os políticos.
O livro foi publicado em 1986 e, se nunca nos separámos fisicamente da Europa ou sequer de Espanha, a verdade é que passámos provavelmente mais de metade do tempo apenas e unicamente a flutuar. Somos um país que na maior parte do tempo não nada, não rema, nem sequer veleja, bóia, bóia de papo para o ar. O país, o país bóia, o governo nem isso, pois passa o tempo todo a esbracejar, a espernear e a engolir pirolitos apenas para evitar afundar-se.
Não somos nós, atenção, não somos nós os portugueses ou, pelo menos, não uma parte substancial de nós, os governados, que passa o tempo a boiar, são os que fingem governar, enquanto se governam ou nos desgovernam.
Nós nadamos, remamos, velejamos, tentamos ir com a corrente ou contra a corrente, não nos conformamos (mas cansamo-nos), não desistimos (até sermos vencidos) e não nos entregamos à sorte (até sermos atropelados pelo azar). Somos vítimas de nós próprios, de sermos um jardim à beira mar plantado, de sermos serenos, de continuarmos a encolher os ombros enquanto somos há não sei quantos anos, há não sei quantos governos, há não sei quantos Costas, há ainda mais Galambas, governados pelos piores de nós.
E a maior parte do tempo seguimos de cara alegre, cantando e rindo, discutindo a bola ou o árbitro, a esquerda ou a direita, a sagres ou a super bock ou o tempo, mas, se estivermos para aí virados, também estamos prontos a discutir e a pôr em causa tudo e um par de botas, desde que, no fim, nada tenhamos de fazer, tudo fique na mesma e possamos continuar a reclamar.
Como repetiam ad nauseam os Deolinda: “Vão sem mim, que eu vou lá ter.
Vão sem mim, que eu vou lá ter. Vão sem mim, que eu vou lá ter.”
Texto originalmente publicado na edição digital de junho do Jornal de Cá