Um país à deriva

Por Pedro Mesquita Lopes

Na “Jangada de Pedra”, José Saramago, o escritor que dá nome à sala de espectáculos do Centro Cultural do Cartaxo (e que também ganhou um Prémio Nobel da Literatura), ficcionava a Península Ibérica a separar-se da Europa e nós e “nuestros hermanos” a vogar à deriva pelo Oceano Atlântico, enquanto aproveitava o facto e os episódios de que se lembrou para elaborar e ironizar sobre a vida, as pessoas, as autoridades e os políticos.

O livro foi publicado em 1986 e, se nunca nos separámos fisicamente da Europa ou sequer de Espanha, a verdade é que passámos provavelmente mais de metade do tempo apenas e unicamente a flutuar. Somos um país que na maior parte do tempo não nada, não rema, nem sequer veleja, bóia, bóia de papo para o ar. O país, o país bóia, o governo nem isso, pois passa o tempo todo a esbracejar, a espernear e a engolir pirolitos apenas para evitar afundar-se.

Não somos nós, atenção, não somos nós os portugueses ou, pelo menos, não uma parte substancial de nós, os governados, que passa o tempo a boiar, são os que fingem governar, enquanto se governam ou nos desgovernam.

Nós nadamos, remamos, velejamos, tentamos ir com a corrente ou contra a corrente, não nos conformamos (mas cansamo-nos), não desistimos (até sermos vencidos) e não nos entregamos à sorte (até sermos atropelados pelo azar). Somos vítimas de nós próprios, de sermos um jardim à beira mar plantado, de sermos serenos, de continuarmos a encolher os ombros enquanto somos há não sei quantos anos, há não sei quantos governos, há não sei quantos Costas, há ainda mais Galambas, governados pelos piores de nós.

E a maior parte do tempo seguimos de cara alegre, cantando e rindo, discutindo a bola ou o árbitro, a esquerda ou a direita, a sagres ou a super bock ou o tempo, mas, se estivermos para aí virados, também estamos prontos a discutir e a pôr em causa tudo e um par de botas, desde que, no fim, nada tenhamos de fazer, tudo fique na mesma e possamos continuar a reclamar.

Como repetiam ad nauseam os Deolinda: “Vão sem mim, que eu vou lá ter.

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Vão sem mim, que eu vou lá ter. Vão sem mim, que eu vou lá ter.”


Texto originalmente publicado na edição digital de junho do Jornal de Cá

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