Uma crónica (que se fosse a si não lia)

Por Pedro Mesquita Lopes

Não sei se sabem, provavelmente sim e aquele “não sei se sabem” vai-vos parecer mal – e bem! – e de uma condescendência atroz, mas agora comecei assim e não vou voltar atrás, ainda que recomece para minha orientação:

Não sei se sabem, provavelmente sim e a repetição desta mesma frase devia estar a enfurecê-los, mas se calhar não está; primeiro, porque ainda não sabem do que estou a falar, segundo, porque a leitura da palavra escrita permite isto, um descomprometimento que decorre de saberem que estou a escrever para quem lê, mas que não o estou a fazer particularmente para si que está a ler, mas para um potencial grupo de leitores (ou leitoras, não há aqui qualquer discriminação de género, apenas a necessidade de poupar caracteres pois esta espécie de crónica tem um limite estabelecido que eu tento respeitar) e, terceiro, porque já se foram embora – boa decisão, que eu não acompanho porque ainda não o posso fazer, a ditadura do cumprimento do número de caracteres por crónica, lembram-se?, mas de certeza que não vou ler nada do que estou a escrever e, portanto, estou solidário com a vossa forte e certeira consciência crítica e ponderado uso do livre arbítrio.

Recomeço, para os que continuam, os de fraca e romba consciência crítica e que exageram imoderadamente, passe o pleonasmo, no uso do livre arbítrio (abusam é o termo) ou são apenas do contra:

Não sei se sabem, provavelmente sim, mas permitam-me que vos relembre então que, hoje em dia, em resultado de alguns avanços tecnológicos ocorridos nas televisões que temos em casa, os nossos animais de estimação já conseguem ver o que está a dar. Os nossos domésticos e inocentemente felizes (e mansos, quando o são, e que por isso podem até herdar o reino dos céus – Não será o teu caso, Cusco, desculpa lá isso.) cães e gatos que não conseguiam ver televisão nos aparelhos de raios catódicos que renovavam a imagem parada repetindo-a quase incessantemente e a uma tal velocidade que só nós (todos nós), pobres de espírito e de fracas capacidades visuais, captávamos como se assim não fosse, agora conseguem fazê-lo, pois as imagens já não são uma rápida sucessão de imagens paradas. Ou seja, isto tudo para vos dizer que aquilo que já sabiam e, em princípio, não interessa nada, de que os cães e os gatos agora vêem televisão se quiserem, quando antes não o conseguiam fazer e que se não o fazem mais amiúde ou sequer com dissimulado interesse deve resultar apenas do que estamos a ver e que, na maior parte do tempo, não interessa nem ao Menino Jesus (o que está quase a fazer anos, não o outro de quem – e bem – ninguém fala).

Tudo isto, que os animais agora conseguem ver as mesmas imagens que nós –  porque hoje vi um cão, visivelmente emocionado, a ver uma cena do Rei Leão – para dizer que fiquei a pensar numa história, com cerca de oitenta anos (que não é assim tanto, notem), de espectadores que, no cinema, fugiam, desmaiavam ou simplesmente ficavam à espera do que lhes ia acontecer num imóvel estupor de incompreensão quando viam o comboio a vir nas suas direções, como um cão a ganir com a morte do Mufasa e a dor do Simba; e também nas “Cidades Mortas”, de Clifford Simak, um obscuro e esquecido escritor de ficção científica, que escreveu um futuro que pode muito bem ter começado assim.

(Eu avisei que não valia a pena.)

 

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