Opinião de Afonso Morango
O processo de integração europeia foi iniciado e desenvolvido na Europa Ocidental. Só foi alargado à Europa Central e Oriental depois de serem estabelecidas as características essenciais da União Europeia (UE), tal como são hoje. Até ao colapso do comunismo na Europa Central e Oriental em 1989-90, países como a Bulgária, Estónia, Letónia, Hungria e Polónia ou faziam parte da União Soviética ou estavam localizados dentro do bloco soviético. Como tal, encontravam-se claramente fora dos processos que, até ao início dos anos 90, se centravam exclusivamente em atrair Estados da Europa Ocidental cada vez mais próximos uns dos outros numa série de relações de cooperação e integração.
Ao longo da sua história, a Europa caracterizou-se sempre muito mais por divisões, tensões e conflitos do que por qualquer propósito comum ou harmonia de espírito. Isto aplica-se tanto à Europa Ocidental como ao continente europeu como um todo. Foi apenas até há poucas centúrias atrás que a ideia de uma “Europa Unida” começou a ganhar forma, ainda que apenas nas cogitações de intelectuais ocidentais.
A linguagem tem sido talvez a força de divisão mais óbvia. Os linguistas podem identificar semelhanças estruturais entre as línguas europeias, mas a verdade é que a maioria dos povos da Europa, incluindo da Europa Ocidental, não tem sido capaz, pelo menos até há pouco tempo, de conversar diretamente uns com os outros. A religião tem sido outra fonte de divisão, sendo os países do norte da Europa Ocidental (exceto a Irlanda) principalmente protestantes na sua herança cristã e os países do sul (incluindo a França, mas excluindo a Grécia ortodoxa) predominantemente católicos. Tradições culturais e experiências históricas contrastantes têm servido para desenvolver identificações distintas – e sentimentos de “nós” e “eles” – em todo o mapa da Europa Ocidental. Juntamente com os legados das lutas pelo poder e das guerras. Tais diferenças ajudam a explicar a razão pela qual a Europa Ocidental foi dividida em tantos Estados, cada um com a sua própria identidade e lealdades. Alguns destes Estados – França, Espanha e Reino Unido, por exemplo – existem em grande parte na sua forma geográfica atual há séculos. Outros, como a Alemanha, Itália, e Irlanda, só foram constituídos comparativamente recentemente, na sua maioria no século XIX e início do século XX, à medida que o nacionalismo florescia e à medida que a força era utilizada para aproximar nação e Estado. Pelo menos até à Segunda Guerra Mundial, as divisões linguísticas, religiosas e culturais entre os estados da Europa Ocidental foram exacerbadas ao máximo por divisões políticas e económicas.
Apesar de tudo, vivemos hoje numa “comunidade imaginária” sem igual, que, apesar de nunca ter vivido verdadeiramente em paz, sempre lutou por isso e os valores e direitos europeus atraem hoje milhões de seres humanos oriundos dos quatro cantos do mundo.
Hoje, centenas de milhões vivem em liberdade, desde o Báltico até ao Adriático, desde o Ocidente até ao Egeu. Mas nunca devemos tomar nada disto como algo garantido. Numa altura em que o Velho Continente se encontra sob ameaça e assiste a uma guerra devastadora, é, mais do que nunca, crucial rever o que a União Europeia é e o que pode dar ao mundo.
*Artigo publicado na edição de julho do Jornal de Cá.