Opinião de Ricardo Magalhães
A #vaificartudobem correu o mundo inteiro quando no ano passado nos vimos pela primeira vez confinados, subjugados por um inimigo invisível que todos os dias pela televisão impotentemente víamos matar milhares de pessoas. As pessoas estavam perdidas, assustadas com medo do futuro, com base num presente que nunca tinham vivido. Apesar disto, pareciam encontrar forças, união e paz nesta insígnia.
Numa rápida análise filosófica percebemos que o valor da mesma não pode residir na sua irrefutabilidade. Descartes pode dormir descansado, pois estamos longe de encontrar um novo “penso logo existo”. Nunca ficará TUDO bem, iremos sempre encontrar coisas que encaramos como más ou menos boas. Somos especialistas nisso, é o nosso instinto de sobrevivência. Se ficar tudo bem significa voltarmos a ter liberdade de sair à rua em segurança, então a frase passa a ser necessariamente verdadeira (à parte de teorias apocalípticas) desde que suficientemente estendida no tempo.
Então, o que é a #vaificartudobem? Já vimos que dependentemente da interpretação pode ser tanto uma mentira como uma verdade absoluta. Na realidade, é muito mais que isso. É a manifestação terrena da maior força que a alma de um ser humano pode alguma vez experienciar. A fé. O escolher acreditar em algo que não temos como provar ser verdadeiro, por vezes mesmo quando as evidências apontam no sentido oposto. É o ir buscar forças ao nada, como se tudo o que bastasse para saciar a fome fosse imaginarmo-nos a comer uma maçã.
Como delírio mental que é, temos que estar conscientes se aquilo em que escolhemos acreditar nos potencia e aproxima da realização pessoal, ou se estamos apenas a querer fugir da realidade objetiva porque nos é desconfortável. A verdade é que, como Brené Brown descobriu na sua pesquisa, ao entrevistar dezenas de pessoas que passaram por algumas das maiores provações possíveis de passarmos na vida, quase todas elas tinham uma expressão em comum. Nos momentos mais difíceis foi “a história que contavam a si mesmos” que lhes deu forças para seguirem em frente.
Há quem encontre essa fé na religião, eu como ateu acredito ser possível encontrá-la dentro de mim mesmo. Seja como for, a única maneira de vencer é nunca desistir, ter a coragem de ir a jogo todos os dias, por muito mau que tenha sido o de ontem. Neste novo desconfinamento, vamos escolher acreditar que melhores tempos aí virão. Até lá, saibamos desfrutar do melhor que o presente tem para nos oferecer. Mesmo que nos pareça pouco, há certamente muita gente nesta Terra a escolher sorrir por muito menos. Porque não tentarmos fazer o mesmo?
*Artigo publicado na edição de abril do Jornal de Cá.