Por Sónia Parente
De repente a pandemia surgiu, e para compensar os sentimentos de medo, angústia, impotência, perda e tantos, tantos outros… ouvia-se dizer que era uma lição para o ser humano, que nunca mais íamos ser os mesmos, que o ser humano ia tornar-se melhor e menos egoísta, ia ser bom para melhorar as relações… tudo ia acabar bem…
Talvez por ter lido “O ensaio sobre a cegueira” de José Saramago, nunca achei que isso fosse acontecer…De uma forma geral, o ser humano em situações muito adversas torna-se ainda mais egoísta, pensa somente em si e nos seus. Para além de outros acontecimentos, ainda tinha passado pouco tempo desde que os motoristas de matérias perigosas tinham feito greve e, nessa altura, vimos que todos tentavam ultrapassar todos e levar bidões e bidões de gasolina, sem pensar nos outros. Essas imagens não agoiravam nada de bom…
Nesta fase da pandemia, a maioria de nós já conhece alguém ou várias pessoas que estiveram contaminadas por Covid-19, mas a discriminação das pessoas que foram contaminadas continua: são olhadas de lado, cochicha-se quando passam, sentar ao lado delas nem pensar… a que festa terão ido para apanharem Covid-19? Que cuidados não terão tido?
Os olhos por trás das máscaras censuram: procuram sinais do erro cometido pela pessoa que esteve infetada, enquanto esta fecha-se na sua “concha”, sentindo a discriminação no ar e esperando que essa categorização passe com o tempo ou para outra pessoa que, entretanto, também tenha tido Covid-19.
Numa altura de pandemia, em que a solidariedade e a empatia deveriam ser mais abrangentes do que nunca, perante uma doença que é extensiva a todos, não escolhe classes sociais nem raças, a discriminação está bem presente em todo o mundo. Ouvi algumas histórias de pessoas que a sentiram na pele, o quanto se sentiram tristes e abandonadas pelas pessoas da sociedade que as rodeiam, acusadas por quase todos. O sentimento de culpa que invade a pessoa contaminada, pelas acusações de que é alvo pelos outros acerca de alguns comportamentos de risco, mesmo que não seja o caso. O impacto na saúde mental destas pessoas é enorme, como é óbvio.
Só a empatia poderá melhorar atitudes discriminatórias para com os doentes Covid-19, levar a que possamos pôr-nos no lugar do outro, “calçar os seus sapatos”. Como se não fossem suficientes os receios das possíveis complicações da própria doença, não é difícil imaginar o intenso sentimento de culpa que alguém com Covid-19 possa sentir por ter infetado várias pessoas, sem saber e sem intenção. Mas, infelizmente na nossa sociedade, a empatia é um sentimento e uma atitude pouco presente. A discriminação relativa aos doentes Covid (e seja ela qual for) põe em evidência uma sociedade que está doente nas relações sociais.
Perante tantas promessas e sonhos de que o mundo ia mudar para melhor, no início da pandemia, ficámos na mesma ou com os defeitos de muitas pessoas deste mundo ainda mais expostos.
A saúde mental de todos não pode ser esquecida.
Sónia Parente é psicóloga clínica