Opinião de João Fróis
Comemorámos há dias os 45 anos do 25 de Abril, a famosa revolução de veludo que nos devolveu a liberdade e que um inusitado cravo de rua haveria de imortalizar hasteado numa espingarda.
Mas que significa hoje esse Abril de 1974, para as diferentes gerações?
Para os mais velhos e que a viveram em pleno, será sempre o fim do estado Novo, com a queda da censura, da PIDE e do controlo de tudo e todos. A liberdade é a grande conquista que Salgueiro Maia permitiu ao povo amordaçado.
Mas e para todos aqueles que já nasceram depois? E mais ainda para os que já nasceram no novo milénio?
Percepções diferentes de uma realidade histórica que nos trouxe a democracia e abertura da sociedade civil aos ventos de modernidade que a Europa já conhecia na ressaca da 2ª Guerra Mundial.
E se o forte de Peniche foi inaugurado como museu de modo a perpetuar as memórias dos presos políticos do regime de Salazar, são muitos os que vivem com a liberdade como garantida e olham para as lições da história com a sobranceria da ignorância, não compreendendo o fenómeno e não querendo sequer esforçar-se para tal. Este alheamento tem várias razões na sua génese mas há uma apatia e desinteresse generalizado entre os jovens pela política que deve merecer atenção.
Atentemos num episódio recente, ocorrido na greve dos serviços de Registos e Notariado. Numa entrevista rápida a um funcionário, sobre as razões da greve, afirmou que mais do que a escassez de efetivos, o que os movia eram as discrepâncias salariais na instituição onde, pasme-se, existem 42 quadros que auferem mais do que o presidente da República! Este episódio revela muito do que ainda corrói esta democracia e que leva a que tantos se distanciem desta “inevitabilidade” de haverem os que singram, despreocupadamente, enquanto o povo vai penando na luta pela dignidade e melhores condições de vida.
Na verdade, Portugal tem ainda um longo caminho até atingir uma maturidade ética no serviço público que lhe permita distanciar-se das abusivas ditaduras africanas e aproximar-se da exemplar governação escandinava onde os membros do executivo não têm praticamente regalias por tal exercício, algo bem díspar do que vamos vendo entre portas. São aliás estes males, este desconforto constante no uso e abuso da coisa pública que torna pálidos e errantes estes ventos de Abril. O que deveriam ser lições de honradez e dignidade na condução dos destinos da nação, vão soçobrando em guerrilhas partidárias que esmiuçam os erros próprios nos ataques aos adversários, alijando culpas e ostentando vitórias pífias.
Se antes se criticava fortemente o Estado Novo por ser déspota, autoritário e controlador, que dizer da governação atual, assente num constante show-off, onde os marketeers controlam a comunicação e vão entretendo o povo com estatísticas e percentagens de dívida?
Dizia um jovem estudante universitário nas ruas de Lisboa, quando lhe perguntaram porque tinha saído à rua: “vim porque não há liberdade de acesso ao ensino superior, com propinas que tantos não podem pagar e com preços proibitivos de alojamento numa cidade entregue à especulação imobiliária”. Voltando à história, a crise estudantil de 1962 contra o estado Novo e as tentativas de asfixiar os seus direitos e liberdades, mantém atualidade nestes tempos em que a ditadura é financeira e mundial e o governo vai gerindo com pinças, fazendo por não beliscar os lobbies que vai servindo.
Tanto por dizer, tanto por fazer. Uma coisa é certa, o 25 de Abril é um processo crescente e contínuo e ainda tem, nos seus 45 anos, muito para andar e amadurecer. Uma vez mais serão os jovens a definir os rumos seguintes e quais das lições passadas irão servir de pedras na sua construção interminável.
Termino com o regozijo de poder escrever em liberdade e consciência, sem pejo nem medo de qualquer censura, mesmo em tempos em que germina um detestável e venenoso sentido de politicamente correto, que mais não é que um controlo subliminar de um povo com medo do futuro.
*Artigo publicado na edição de maio do Jornal de Cá.