Viver no campo é um privilégio único. Ter todos os sabores e cheiros da terra à mão de semear é uma raridade preciosa. Graças à minha família, tenho figos verdes e roxos, morangos, azeite, cebolas, alho, batatas, couve, salsa, coentros, alface, tomate, beringela, courgette, alho-francês, meloa, melão, melancia, noz, azeitonas, pêssegos peludos e carecas, clementinas, laranjas, tangerina e até kiwi. E não podiam faltar as favas, que ainda não são da época.
Não sou eu que tenho o trabalho de semear, cuidar, regar, ver medrar todos os rebentos que a terra dá. Não tenho tempo, sou preguiçoso. Tal como alguém mais velho e sábio me disse em tempos, quando ganhei calos nas mãos depois de dez cavadelas sofridas e suadas na terra, a minha enxada é outra. Por isso, sinto-me grato por receber todos estes presentes da terra.
Confesso o meu orgulho por viver no campo, tal como eu digo aos meus camaradas de trabalho na grande cidade. Eles perguntam-me porque é que vivo tão longe. Eu respondo que não vivo longe, o trabalho é que está longe da minha terra, do meu campo.
O tempo no campo tem outro vagar, cabendo mais espaço no nosso dia a dia. As pessoas falam mais delas e umas com as outras. Às vezes nem é preciso falar, estão umas com as outras.
Mal saio do campo para ir trabalhar para a cidade, já estou a falar ao telefone dentro do carro, a gesticular muito alto como se a pessoa estivesse ao meu lado a ouvir-me. Quando dou por mim, já a conversa acabou, o campo desapareceu para só voltar a aparecer no fim do dia.
O único momento que mato saudades do campo, e que é ao mesmo tempo delicioso, é à hora de almoço com os camaradas de trabalho. Estar à mesa, falar alto com os braços a mostrar o que se quer dizer ao outro, é o meu campo na cidade. E serei sempre o último a acabar de comer, nem que seja a última fava.