Viver numa ilusão coletiva

Por Ricardo Magalhães

Uma ilusão coletiva é uma crença, valor ou ideal que acreditamos ser partilhada pela maioria da sociedade quando na verdade não o é. O problema com isso é que a necessidade biológica de pertença a um grupo leva-nos a adotar comportamentos que vão ao encontro desses valores ou expectativa social. Quer isto dizer que se aquilo que temos como expectativa social for uma ilusão coletiva, no limite estamos na nossa grande maioria a viver sob valores nos quais não acreditamos ou que não são verdadeiros.

Vejamos um exemplo muito prático do impacto (por vezes dramático) que isto pode causar. Há cerca de 30 anos haviam ainda problemas severos de desnutrição infantil em diversas comunidades rurais no Vietname. As associações humanitárias procuravam como ajudar estas crianças a não passar fome. A forma como o conseguiram teve por base a fórmula do “desvio positivo”. Basicamente procuraram famílias que, ainda que não tivessem mais recursos que os seus vizinhos, tinham de alguma forma conseguido encontrar mais comida para manter os seus filhos saudáveis.

Foi assim que descobriram que estas famílias estavam a alimentar as suas crianças com pequenos camarões e caranguejos que apanhavam nos campos de arroz da aldeia. O resto das famílias não o fazia pois, ainda que esta fonte alimentar fosse grátis e de fácil acesso, a sabedoria convencional da aldeia dizia que não era apropriada para crianças. Estas mães que andavam a alimentar os filhos com camarões e caranguejos faziam-no às escondidas, com vergonha do julgamento social. Foi preciso tornar estas famílias o exemplo a seguir para que também outras passassem a adotar este comportamento e com isso os casos de desnutrição de crianças foram reduzidos em mais de 80%.

Ou seja, haviam literalmente crianças a morrer por causa de um falso consenso. E principalmente porque não havia diálogo para que as mães que criavam crianças mais saudáveis pudessem influenciar positivamente as restantes famílias. Na nossa vida em sociedade existem muitos temas em que tomamos por garantidos consensos sociais que porventura não são assim tão consensuais ou verdadeiros. Não tenhamos medo de falar e discutir qualquer tema ou ideia, até porque é essa a maior força da democracia.

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