Citando Tolentino Mendonça, “vale a pena avaliar o tempo, o que fazemos dele e o que ele faz de nós”. Entre balanços e desejos, é o que fazemos todos por estes dias. Podemos fazê-lo sob a perspetiva individual ou coletiva. Escolho a segunda, pois a primeira não vem ao caso.
Em 2022, ainda por sair de uma pandemia, assistimos à barbárie no seio da Europa com a invasão da Ucrânia pelas tropas russas. À semelhança do que acontecera no início da pandemia, a guerra e os refugiados de guerra deram-nos oportunidade de ser solidários. Mas as consequências de uma guerra que está para durar, a crise energética, a inflação, e os aumentos do custo de vida vão pôr-nos à prova, individual e coletivamente.
Por cá a contestação social endurece, nos média e na rua. A braços com uma crise governativa, o país espera que os representantes eleitos, há menos de um ano, reforcem a ética, pelo exemplo e com reformas estruturais, e defendam os interesses dos portugueses, gerindo bem e com virtude, e executando o PRR com eficácia e transparência.
Na educação, o mal-estar das últimas décadas transbordou. À boleia de um sindicato de registo populista, milhares de professores voltaram à rua a meio de um processo negocial suspenso. Onde muitos veem apenas a união dos professores, vejo também uma disputa de sindicatos. Onde muitos veem a oportunidade para valorizar a profissão, vejo uma luta que mete no mesmo saco coisas distintas e não negociáveis. Exemplo: como podem alguns professores ser contra o seu desenvolvimento profissional por via da formação ao invés de usá-la em benefício do seu trabalho, dos seus alunos e da valorização da escola pública?
Apesar de equidistante, compreendo os meus colegas. Nas últimas décadas a profissão docente tem vindo a proletarizar-se e, contraditoriamente, a tornar-se mais exigente na missão. Paradoxalmente, flexibilizam-se horários, invadindo o não letivo com o letivo, exigindo evidências sem sentido pedagógico, trocando a autoria pela execução acrítica. Aos professores é exigida inovação e capacidade de adaptação a uma escola cada vez mais plural e multicultural. Exige-se-lhes, ao mesmo tempo, a preparação dos seus alunos para profissões por inventar e o exercício da cidadania. E é esse o desafio. Nada contra. Contudo, o resultado será (já é) desastroso se se insistir na velha receita de fazer mais com menos. Menos estabilidade profissional, menos tempo, menos salário, menos autonomia e menos valorização profissional.
Por outro prisma, temos assistido a uma descentralização das competências na educação para os municípios e para as regiões administrativas sem que seja clara a salvaguarda da autonomia pedagógica das escolas. Os docentes desconfiam de uma descentralização que os exclui ao mesmo tempo que são instados a executar uma educação mais inclusiva. Estas também são causas do mal-estar dos professores que tão eficazmente foram usadas pelo movimento sindical. Mas, acima de tudo, os docentes reclamam melhores condições de trabalho, o fim da precariedade, o direito à valorização salarial e a uma justa progressão na carreira.
Em vésperas do novo ano estou militantemente otimista, pois creio ser possível chegar a acordo no principal. Os professores estarão disponíveis para ser os primeiros obreiros do pacto social para a educação capaz de diminuir as desigualdades e humanizar a escola. Termino, pois, com votos para um entendimento que faça de todos nós pessoas mais felizes, mais solidárias, mais incluídas e inclusivas.