O medo e a guerra

"Uma coisa parece evidente, se a Europa deixa cair a Ucrânia, Vladimir Putin ganhará não só a guerra, mas a certeza de poder (re)tomar os seus afilhados do Leste, a começar pelos países do Báltico e sem um fim que se possa prever". Por João Fróis

Com duas grandes guerras na primeira metade do século XX, a Europa praticamente implodiu e viu-se na necessidade de praticamente capitular perante a novel potência mundial, os EUA. O Plano Marshall, de ajuda à reconstrução da velha e arrasada Europa, permitiu que os norte-americanos se desenvolvessem a um ritmo acelerado e se tornassem no gigante industrial e militar que ombreou com a antiga URSS numa guerra apelidada de fria, mas que se percebe hoje, manteve o mundo numa pacificação inusitada.

No pós 2ª guerra a Europa também cedeu face a um dos vencedores do nazismo, a velha Rússia imperial, vestida com a bandeira da união, mas com as velhas pretensões hegemónicas dos czares. O pacto de Varsóvia, criado em 1955 em resposta à formação da NATO, englobou os países do leste europeu e que ficaram sob o manto soviético, dividindo o velho continente em ocidental e oriental. Só a queda do muro de Berlim em 1989 permitiu a lenta desagregação desta ocupação e a reorganização política de alguns países, uns pacificamente, com a divisão da Checoslováquia em República Checa e Eslováquia e outros tragicamente numa guerra sangrenta na Iugoslávia de Tito, trazendo de volta as velhas nações balcânicas.

Finalmente e após a reconstrução de grande parte da Europa, assistimos a deslocalizações massivas de empresas e unidades industriais para a velha China, num assomo de diminuição de custos, aproveitando a mão de obra barata e abundante num país também ele a sair dos desmandos imperialistas de Mao Tsé Tung e da devastadora “revolução cultural”.

Tivemos assim três momentos na história europeia dos últimos cem anos que nos ajudam a entender muita da impotência atual a nível político, económico e militar. O enfraquecimento intestino causado por Adolf Hitler, levou a que o Reino Unido perdesse o fulgor do maior império mundial e o entregasse de mão beijada aos Estados Unidos da América. A Europa tornou-se dependente da ajuda do Tio Sam, num primeiro momento a nível económico e até aos dias de hoje a nível militar. Paralelamente Moscovo ganhou um enorme protagonismo ao dominar metade da Europa até finais do século passado e mesmo após a quebra trazida pelos ventos da Perestroika, nunca perdeu os desígnios imperialistas que a anexação da Crimeia em 2014 tornaram evidentes. A guerra na Ucrânia é uma tomada de força a mostrar sem filtros que o velho urso está de volta e quer estender as suas garras ao que já foi seu e esses limites incluem o arco do velho pacto de Varsóvia.

Por fim a China. Um país dito comunista, mas que mostra uma pujança industrial e tecnológica sem igual e que inunda o planeta de todo o tipo de produtos a preços dificilmente igualáveis. A capacidade de fazer bem, rápido e a preço competitivo tem hoje uma só marca, a da RPC. Enquanto os EUA andavam em guerras no médio Oriente, a decapitar regimes tirânicos como o de Sadam Hussein no Iraque e a Rússia se tentava levantar da desagregação da URSS, a China investia forte na sua capacidade produtiva e tecnológica, tornando-se no gigante industrial planetário.

A Europa está sim enfraquecida militarmente face aos EUA e Rússia e economicamente face á China. A hegemonia europeia terminou com estrondo sob as bombas aliadas e nazis, agigantando os EUA, revigorando a Rússia e alimentando a máquina chinesa. Somos hoje uma europa (ainda) unida politicamente, mas com evidentes fragilidades económicas e militares, que nos tornam presa fácil da ambição imperialista destes três blocos que se dão ao luxo de negociar acordos entre si em que apenas somos espectadores.

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Impõe-se a pergunta, será a Europa capaz de se rearmar sem o medo de voltar a destruir-se internamente? E se não o fizer será que sobrevive à ambição imperialista de Moscovo ou aos desvarios negociais de Trump? Precisam-se de líderes fortes, mas as convulsões e fracionamento político na grande parte dos países dos 27 impedem que se consigam governos estáveis e com força para marcar a agenda política e económica da união.

Uma coisa parece evidente, se a Europa deixa cair a Ucrânia, Vladimir Putin ganhará não só a guerra, mas a certeza de poder (re)tomar os seus afilhados do Leste, a começar pelos países do Báltico e sem um fim que se possa prever.

Para voltar a ter força a Europa terá de se rearmar e investir na produção massiva de armamento de ponta, algo que a união nunca assumiu como missão. Mas para tal as verbas a despender serão ciclópicas e quem muito provavelmente pagará a fatura serão os apoios sociais, precisamente a área onde o velho continente marcou pontos e permitiu uma enorme evolução na qualidade de vida das populações. Se assim for, a contestação sairá em força às ruas não só das evidentes Paris ou Berlim, mas irá varrer toda a união europeia, causando perturbações incalculáveis e que poderão enfraquecer ainda mais a europa. Preparemo-nos, pois, para tempos (ainda) mais difíceis. O futuro próximo irá ditar muito do que a velha Europa ainda conseguirá manter do nível a que se permitiu chegar após a quase implosão de há 80 anos atrás. Bruxelas tem a palavra.

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