O senhor jornalismo

"Acima de tudo cumpre honrar o seu legado incontestável e admirável de arauto da liberdade, nas asas da imprensa escrita e mais tarde da emissão televisiva independente. Ousou, enfrentou a ditadura, assumiu e criou as bases do jornalismo independente e isento em Portugal, marcando a história deste país com o semanário Expresso, a grande referência editorial portuguesa e onde continuamos a beber o melhor da informação e podemos acima do mais confiar na verdade factual e na liberdade de opinião de quem aí escreve". Por João Fróis

Se tenho liberdade de escrever e fazer chegar a minha humilde opinião ao público em geral, através do estimado Jornal de Cá, devo-o de alguma forma a Francisco Pinto Balsemão. Partiu o homem que ousou enfrentar o estado novo, lutando pela liberdade de imprensa, a sua grande paixão. Fica na história como o pai do jornal Expresso, fundado em 1973, ainda em plena ditadura, e mais tarde como fundador da SIC, primeira televisão privada no país, a emitir desde 1993.

Mas este grande homem, um dos últimos vultos construtores da democracia, foi muito mais, um daqueles empreendedores visionários que ousou enfrentar o regime e lutar pelos seus ideais de liberdade, fazendo do jornal a sua trincheira e da escrita a baioneta com que derrubava a censura do lápis azul.

Neto paterno de um comerciante do Sabugal que também ele fundou um jornal, o do Povo, o primeiro semanário republicano da província, deu asas à sua paixão pelo jornalismo no Diário Popular, vespertino lisboeta do seu tio e onde foi secretário de direção e membro do conselho de administração entre 1963 e 1971. Inspirado pelos profícuos semanários europeus funda o incontornável Expresso em 1973, ainda hoje a grande referência na imprensa escrita em Portugal e onde deu expressão à liberdade informativa, com rigor e isenção, dando um palco privilegiado à nobre arte da escrita, da palavra e da informação, as grandes traves da democracia na sua génese essencial.

Jurista de formação e posteriormente advogado, apontou a sua imensa energia criativa ao dirigismo político e fez parte da famosa ala liberal da assembleia nacional de Marcelo Caetano, até 1973, junto com Sá Carneiro, Magalhães Mota e Mota Amaral, entre outros. Foi aqui que tentaram lançar as bases da liberdade de imprensa e dos órgãos editoriais, obviamente chumbados pelo regime autoritário. Mas em breve aconteceu o 25 de Abril e com Sá Carneiro e Magalhães Mota funda o Partido Popular Democrata, PPD e que iria mudar para o atual PSD logo nas legislativas de 1979, onde este novel partido construtor da democracia junto com o PS e o CDS, iria vencer e formar o VI governo constitucional, tristemente interrompido com a morte de Francisco Sá Carneiro a 4 de dezembro de 1980. Francisco Balsemão passou assim de ministro adjunto para 1º ministro do VII governo constitucional em 1981 e do VIII entre 1981 e 1983, com a aliança democrática, AD, formada pelo PSD, CDS e PPM.

O seu vasto currículo é abrangente e notável. Foi deputado na Assembleia da República entre 1985 e 1987, professor associado na faculdade ciências sociais e humanas da Nova, entre 1987 e 2002 e presidente do seu conselho consultivo em 2009, alargando esta função ao ISEG em 2010. Francisco Pinto Balsemão integrou os órgãos de várias organizações do setor, tendo sido, nomeadamente, presidente do Conselho Europeu de Editores (European Publishers Council) (1999), presidente do Conselho de Administração do EIM – European Institute for the Media (1990-1999) e do European Television and Film Forum (1999-2006), vice-presidente (1995-2003) da Fundação Journalistes en Europe, entre outras participações relevantes.

Muito mais se poderá dizer sobre este grande homem que nos deixou. Acima de tudo cumpre honrar o seu legado incontestável e admirável de arauto da liberdade, nas asas da imprensa escrita e mais tarde da emissão televisiva independente. Ousou, enfrentou a ditadura, assumiu e criou as bases do jornalismo independente e isento em Portugal, marcando a história deste país com o semanário Expresso, a grande referência editorial portuguesa e onde continuamos a beber o melhor da informação e podemos acima do mais confiar na verdade factual e na liberdade de opinião de quem aí escreve. Esses valores supremos são um baluarte inegociável da democracia e num mundo em que a liberdade está a ser atacada e em risco, lutar pela sua existência e independência é provavelmente uma das maiores batalhas civilizacionais em curso. Calar a imprensa é mergulhar no caos e nas sombras negras das ditaduras e tiranias. Saibamos todos honrar legados como o deste enorme sonhador e lutador da e pela liberdade de todos nós. O meu muito obrigado Francisco Pinto Balsemão. Até sempre.

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