As razões do inferno

"E ano após ano os noticiários da “silly season” são mais do mesmo, chamas e dramas de quem é fustigado pela voragem do fogo. (...) Ficarmos agarrados às teorias de que o fogo é um negócio muito lucrativo e interessa a muita gente “anónima” não nos resolve os problemas e apenas agita a opinião pública sem que daí advenham alterações significativas na realidade territorial nacional". Opinião, por João Fróis

Chegados ao verão e com o aquecimento da temperatura do ar, voltamos ao (in)evitável inferno das chamas de norte a sul de Portugal. Muito se tem debatido sobre o tema, são apontadas múltiplas razões para o fenómeno, mas pouco ou nada parece mudar de ano para ano, mesmo com as tragédias de 2017.

Muito se fala de desordenamento florestal, da propriedade privada mal gerida e conhecida, da prevalência do eucalipto e pinheiro bravo, da escassez de acessos e pontos de água. Tudo isto é sobejamente conhecido há muito, mas o cenário permanece praticamente inalterado e tal como mostra a sabedoria ancestral, se nada mudarmos nos comportamentos não poderemos esperar resultados diferentes. E ano após ano os noticiários da “silly season” são mais do mesmo, chamas e dramas de quem é fustigado pela voragem do fogo.

Vejamos o que acontece por essa Europa fora. Numa viagem recente de automóvel, em que atravessei Espanha, França e Bélgica e fiz incursões na Alemanha e Países Baixos, pude constatar o ordenamento florestal e agrícola diferenciado e contrastante com a realidade lusa. Sabemos que o clima nesses países é diferente, mais fresco e chuvoso, mas as diferenças climáticas não excluem as demais razões para que os riscos sejam mínimos. O ordenamento demonstra-o. Senão vejamos. França é um país agrícola, com dezenas de cidades médias e zonas industriais bem definidas. Os campos alternam entre produções de milho, cereais e girassol e florestas densas entre eles. Não se vislumbram como por cá, zonas florestais sem fim, manchas de uma só espécie sem estradões a cortá-las. E no seio das florestas não existem matos a crescer sem regra. O que vemos são campos bem ordenados e delimitados e florestas limpas e recheadas de várias espécies diferentes. Na Bélgica e nos Países baixos é igual. Na Alemanha esta é também a realidade. E com as alterações climáticas estas regiões têm vindo a conhecer vagas de calor “anormal” para aquelas paragens. O ordenamento ali existente diz-nos que os riscos estão naturalmente minimizados. As exceções do sul do território gaulês mostram algumas similitudes com o nosso país e daí também estarem mais vulneráveis aos incêndios. A prevalência de pinheiros em zonas montanhosas e a proximidade ao cada vez mais quente mar mediterrâneo aceleram as probabilidades de por dolo ou negligência ocorrerem incêndios. Tal como por cá.

Dito isto voltamos ao essencial. A falta de intervenção no terreno e a modificação impactante no ordenamento florestal e agrícola, perpetuam os problemas e agudizam as consequências para as populações do interior do território.

Ficarmos agarrados às teorias de que o fogo é um negócio muito lucrativo e interessa a muita gente “anónima” não nos resolve os problemas e apenas agita a opinião pública sem que daí advenham alterações significativas na realidade territorial nacional.

Existe tecnologia para nos ajudar a monitorizar, cadastrar e ordenar a floresta. Existem meios financeiros de Bruxelas para levar a cabo as mudanças estruturais absolutamente necessárias. Vai existindo consenso social e até político de que urge agir e mudar o paradigma. O que falta então? Coragem para “apagar” os ditos negócios do fogo? Arrojo para negociar com as empresas de celulose? Frontalidade para capacitar os municípios de estruturas de reordenamento eficazes?

Ler
1 De 430

Muito mais podemos juntar a este rol de eventuais razões para o nosso triste insucesso na gestão territorial. Entendo que em ano de eleições autárquicas seria fulcral exigir dos eleitos que de uma vez por todas façam o que tem de ser feito na gestão e ordenamento florestal e agrícola para o bem das populações, garantindo melhores condições de vida e segurança a todos. Porque a gestão dos resíduos florestais é uma fonte de rendimento e a energia que daí pode ser gerada é limpa e eficiente. E pode gerar investimentos em empresas nesse setor, criando empregos e ajudando a fixar populações no interior. As suas próprias circunstâncias podem ter as soluções para combater a desertificação. Haja coragem, consciência social e vontade. O país tem de evoluir. Sem desculpas.

Isuvol
Pode gostar também