Hoje, sabemos mais que ontem (VIII)

Crónica de José Caria Luís

A cada dia que passa, maior é a frustração causada por uma praga que nos veio dar cabo das vidas. Mas, a meu ver e pelo que vejo do alto da minha varanda, nem todos se deixam abater pelo flagelo. Bocarras a descoberto, narizes empinados e lá vão, eles e elas, quase sempre em grupelho, envoltos em algazarra, em demanda do NorteShopping, onde, provavelmente, irão contagiar ou contrair uma maleita que não se assusta com uma qualquer mascarilha mal concebida e pior colocada. Terão, ao menos, desinfetado as mãos? E as bocas, também tiveram a necessária higiene antes de saírem de casa? É que, pelo que se ouve por aqui e por ali, abundam por aí uns bacanos que, por demais poupados ou comodistas, já nem sequer lavam a dentuça. O mesmo se aplica a certas bacanas: porque se, por motivos óbvios, não adianta pintar os lábios, para quê perder tempo a fazerem a sua higiene oral? Aquele velho e estafado rifão, que era proferido no tempo da minha avó, que dizia: ” Quem vai, vai; quem está, está!” – por força das circunstâncias, está, também ele, fora de prazo. O pior é quando o cangalheiro bate à porta, aí já as coisas mudam de figura.

Mas, deixemo-nos de moralismos, que mais não são do que malhar em ferro frio, e passemos à ação a fim de dar continuidade às sagas dos anos 50 e 60 do passado século.Dizia eu que os rapazes namoradeiros eram uns infelizes, umas vítimas das liberdades cerceadas por não fazerem tudo aquilo que lhes dava na real gana. Mas não era bem assim, porque as raparigas era quem mais sofria com os preconceitos da sociedade. Senão vejamos: as coitadas, além de não lhes ser concedida permissão para serem elas quem procurava namorado, e tinham de se subordinar a quem aparecesse, também lhes era vedada a permissão de o insinuarem. Um olhar significaria mais que meia dúzia de palavras? Não creio! Aquela que, por força de uma personalidade mais atrevidota se declarasse,tentando puxar a si o rapaz por quem suspirava, era logo catalogada de cabeça-de-vento, oferecida e outros impropérios mais. Daí até à marginalização, era um pulo. Mais lhe valia estar sossegada no seu canto e esperar que o destino a contemplasse segundo a sua crença.

Se bem que, durante os anos de namoro, o rapaz sofrera na pele – e nos ossos – a desdita da intempérie, encostado à ombreira de uma rude cantaria, nada se assemelhava ao martírio por que passavam as cachopas no seu dia a dia. Tanto no vestir como no porte, elas estavam permanentemente expostas aos holofotes da comunidade local, que sobre elas incidiam. Bastava que se constasse que o grau de pureza da pobre rapariga já não estava imaculado, e já nem era digna de envergar um alvo vestido de noiva. A coitada tinha de se submeter ao capricho popular que a obrigava a trajar um qualquer vestido de fazenda, de cor bege, azulado ou cinzento, mas branco, nunca. Numa época em que, pela província, ainda se criticava quem usava o vestido rente ao joelho, eis que chegava a moda da minissaia. Agora, por cá, ainda que desfasada em meia dezena de anos do mundo mais moderno, era ver os primeiros joelhos ao léu. Uns mais assim, outros mais assado, mas lá que era bonito de se ver, era.

*Artigo publicado na edição de janeiro do Jornal de Cá.

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