O país do fogo

Portugal é um país singular seja qual for o prisma por onde se olhe. E com o inferno lá fora, uma vez mais, voltam as velhas questões das causas de continuarmos a arder sem apelo nem agravo. São muitas, mas no essencial podem resumir-se a uma mão cheia de grosseiras omissões. A opinião de João Fróis

Portugal é um país singular seja qual for o prisma por onde se olhe. E com o inferno lá fora, uma vez mais, voltam as velhas questões das causas de continuarmos a arder sem apelo nem agravo.

São muitas, mas no essencial podem resumir-se a uma mão cheia de grosseiras omissões.

Basta percorrer o país a norte do sistema montanhoso Sintra-Estrela e fica absolutamente evidente que vivemos no fio da navalha. O apelidado pinhal interior, com uma mancha florestal quase contínua desde o norte de Tomar até à serra da Lousã, é um território onde proliferam os polémicos eucaliptos, salpicados de manchas de pinheiros e pequenos bosques resistentes de espécies autóctones. Raramente vemos estradões corta fogo e menos ainda terrenos limpos e sem aglomerações de mato altamente combustível. Pelo meio aldeias e casas dispersas. É aliás essa característica de povoamento que complica qualquer abordagem ao terreno pois à medida que avançamos para norte vemos cada vez mais casas dispersas um pouco por todo o lado e quase sempre coladas a manchas florestais. Quanta mais serrana é a paisagem mais casas vemos assentes em colinas e zonas de muito difícil acesso. E nos vales existe uma maior concentração de casario, mas a dispersão continua, embrenhada com arvoredo e mato, numa malha intrincada onde o risco aumenta exponencialmente. São milhares de estradas municipais a unir largos milhares de casas espalhadas sem critério, construídas ao longo dos tempos nos terrenos herdados e que outrora foram agrícolas. A também muita lusitana singularidade de ser proprietário da sua casa, uma missão de vida ainda bem vincada na mentalidade provinciana, leva a que qualquer terreno seja disputado para construção. Esta senda levou ao longo de décadas a que tenhamos territórios com elevada densidade de construção em zonas outrora florestais e onde resistem bolsas de arvoredo, as famosas bouças no Norte rural.

Outra singularidade que vem dos tempos do estado novo é a aposta no então denominado petróleo verde, o famoso eucalipto, espécie originária da Oceânia e escolhida como motor de desenvolvimento pelo seu crescimento rápido e pela indústria da celulose. O incentivo á sua plantação levou a que fossem arrancadas as espécies autóctones, carvalhos, castanheiros, teixos e outras árvores de porte e que sempre foram a matriz deste velho país mas que não propiciavam o enriquecimento que a indústria da silvicultura prometeu. Temos assim uma predominância de uma espécie invasora e que arde com muita facilidade, espalhada por montes e vales de forma quase ininterrupta. É esta mesma espécie que vemos nas imagens dantescas nos noticiários a arderem sem que os bombeiros as consigam travar.

Também o pinheiro arde com facilidade e foi o que vimos acontecer no então famoso pinhal de Leiria, praticamente reduzido a cinzas em outubro de 2017, esse mês dramático que ceifou imensas vidas na região de Pedrogão Grande. Esse marco tenebroso deveria ter levado a mais que uma reação emocional sobre o que fazer para evitar tragédias semelhantes. Na prevenção rodoviária vemos uma melhor gestão da circulação rodoviária, com os cortes antecipados de estradas de modo a prevenir o aprisionamento em bolsas de fogo de onde dificilmente alguém escapa ileso. Mas no demais pouco mudou. Os terrenos continuam por limpar e muito se deve a não se conseguir avançar na identificação dos largos milhares de proprietários dos terrenos onde a floresta cresce. E enquanto não se conseguir cadastrar exemplarmente o que é de quem e que capacidade tem o proprietário para a gestão do terreno e das culturas ali existentes, iremos continuar a definhar neste caos desordenado e cada vez mais perigoso face às ameaças que as alterações climáticas agudizam. No limite o estado terá de equacionar a expropriação por utilidade pública, procedendo à reorganização territorial da floresta de forma coerciva. Mas algo tem de ser feito. Esperar que se consiga cadastrar a maior parte do território poderá levar algumas décadas e não temos tempo a esperar. Urge intervir e levar a cabo o que é prioritário para proteger pessoas e bens. E para tal há que em cada concelho implementar a obrigatoriedade de limpar os terrenos e construir estadões corta fogo e pontos de água. Promover uma reflorestação com a ajuda da União europeia, das espécies autóctones e resistentes ao fogo, com apoios fortes á sua plantação e manutenção, selecionando criteriosamente as zonas para exploração florestal da celulose, reduzindo-as significativamente.

Ao mesmo tempo podem e devem ser criadas equipas de limpeza e manutenção das estradas e terrenos públicos, de serviço permanente e bem treinadas e pagas para um trabalho competente e eficaz. Se há contratação pública a promover é esta sem qualquer dúvida. Só com uma atitude reformadora e construtiva, alterando profundamente a paisagem desordenada, é que poderemos almejar a evoluir para um território melhor gerido, mais eficaz e seguro e gerador de oportunidades para as populações.

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Até lá vamos continuar de credo na boca, entregues à sorte e ao abnegado trabalho dos bombeiros que infelizmente vão morrendo a tentar proteger o que deveria ser evitado pela prevenção.

Um país assim fica exposto aos interesses de alguns e ao pasto de incendiários. Ouvir o responsável da proteção civil constatar que entre as 00h00 e as 07h00, noite cerrada, ocorreram 125 ignições é revelador de quão frágeis estamos perante o crime hediondo do fogo posto e dos enormes perigos e danos que os mesmos provocam. Se dúvidas houvesse de que temos de parar este inferno, caíram por terra. Saibamos tomar as decisões que urgem para transformar o país e o melhorar de uma vez por todas o que há décadas adiamos. Haja coragem e firmeza!

Isuvol
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