Obrigado Francisco
"Francisco foi um Papa humanista. Um inspirador da fé e do amor. Da bondade, da compaixão, da solidariedade. Valores morais e éticos que são a base da civilização e que a Igreja Católica abraçou e nem sempre, ao longo da sua conturbada história soube interpretar da melhor forma". Por João Fróis

Partiu como chegou, junto dos fiéis, próximo das pessoas com quem tanto gostava de estar, sempre com um sorriso e um carinho. Foi assim que ainda ontem surgiu inesperadamente na Praça de São Pedro, na janela a dar a bênção Urbi et Orbi e no papamóvel entre a multidão na enorme praça do fundador da Igreja.
A sua debilidade física era notória após longas semanas de internamento em estado muito crítico. Mas contrariando as indicações médicas de repouso absoluto por um período de dois meses, Francisco optou por levar por diante a sua missão e quis estar na celebração pascal, a mais importante da Igreja Católica, da ressurreição de Cristo, da renovação e da esperança.
Das muitas marcas fortes do seu papado, são precisamente a renovação e reforma da Igreja e a esperança como mote face a um mundo em convulsão, que vão ficar na história. Mas Francisco foi muito mais do que um Papa querido e afável. Foi o primeiro Papa não europeu e essa condição foi por si mencionada logo no início quando com o seu bom humor se disse ser “o Papa do fim do mundo”. E efetivamente, com a crise institucional da Igreja, Francisco foi o grande executor das decisões reformistas saídas do Concílio Vaticano II, quando ainda era um jovem cardeal na Argentina. João Paulo II e Bento XVI foram participantes ativos desse importante concílio e iniciaram lentamente o longo processo de reformas que a Igreja, tão fechada sobre si mesma, carecia. Mas foi Jorge Bergoglio, que escolheu ser Francisco, em honra a São Francisco de Assis, quem mais avançou nas reformas institucionais, na justiça, na aproximação da Igreja aos fiéis, na inclusão de “todos, todos, todos” como tantas vezes lembrava e que ilustrava a sua vontade de unir a fé cristã e o catolicismo em todo o mundo. As suas visitas à América latina e a África revelaram um fervor e vivência da fé bem diferentes da Europa, assimétrica e com uma crise de valores profunda. O mundo mostrava que a fé é universal e que os seus valores são abraçados com devoção por quem escolhe acreditar e viver no seu legado. E este novo século tem mostrado que ter esperança é cada vez mais uma missão para crentes, resilientes e que estoicamente não vacilam face à opressão das guerras intermináveis e à loucura economicista que tudo assombra.
Francisco lembrou que a palavra é um dom e que a temos de usar como uma ponte para a união, para a aproximação entre povos e para a concórdia. Quanto vale afinal a voz de um homem? Mesmo a de um Papa? Vale muito com certeza e ficam na história as suas mensagens profundas, humanistas, inclusivas, humildes e plenas de compaixão que ao longo dos doze anos do seu pontifício revelou ao mundo. E se no início do seu mister muitos se espantavam com o desassombro em falar de temas fraturantes na sociedade e em denunciar os abusos no seio da própria Igreja, como os de índole sexual e que há muito ameaçavam a sua credibilidade e identidade enquanto garante da fé e amor cristãos, aos poucos todos foram percebendo que a sua linguagem universalista era a do amor, sem fronteiras nem espartilhos culturais, regionais ou éticos.
Francisco foi um Papa humanista. Um inspirador da fé e do amor. Da bondade, da compaixão, da solidariedade. Valores morais e éticos que são a base da civilização e que a Igreja Católica abraçou e nem sempre, ao longo da sua conturbada história soube interpretar da melhor forma. Com um mundo imerso em crises de todas as formas, com a religiosa a abalar profundamente a Igreja, Francisco pegou no essencial da fé e dos seus princípios universalistas e como um missionário franciscano, despojado e humilde, tornou a sua missão unir a humanidade, não ceder ao ódio é às divisões belicistas, e professar o amor, a esperança, a compaixão e a paz como os valores maiores do Homem e da sua vida em comunhão nas imensas diferenças culturais. Unir sempre foi o seu maior desiderato, contra todas as divisões que o mundo insiste em promover. Unir face às muitas diferenças e não deixar ninguém para trás. Não estigmatizar face à opção por diferentes formas de estar na vida, sejam estéticas, de orientação sexual ou modo de vida em geral. A inclusão universal face à exclusão pelo preconceito.
Morreu o homem, fica o legado de um grande humanista, de um inspirador da bondade, do amor e da paz. Da união entre povos e sem fronteiras éticas e morais entre si. A utopia de sarar o mundo será sempre inalcançável mas a esperança de o tentar nunca poderá perecer.
Obrigado Jorge Bergoglio. Obrigado Papa Francisco. O homem e o a sua nobre missão. O mundo agradece a sua imensa e bela inspiração. Até sempre!