Por uma escola cidadã

Causa Pública, por Elvira Tristão, professora

Deixem-me contar-vos um episódio de uma das minhas aulas com uma turma de 10° ano: Ao entrar na sala de aula, um aluno perguntou-me se eu conhecia a “exorbitância” do valor pago pelo município pela requalificação da escola secundária. Outro acrescentou de imediato que alguém se tinha “abotoado” com dinheiros indevidos. Não tinha planeado desenvolver temáticas de cidadania e desenvolvimento naquele dia. Contudo, a minha deontologia profissional obrigou-me a alterar os planos de aula.

É preciso todos os dias desmontar populismos perigosos que minam a confiança dos cidadãos nas instituições, promover a participação cidadã, vigilante e construtiva, e desenvolver as literacias e o espírito crítico. Por isso, esclareci-os sobre um processo moroso, liderado por dois executivos camarários, de diferentes cores políticas, que viram os custos de construção aumentar de cerca de um milhão e meio de euros para muito mais de três milhões. Falamos de inflação, de especulação do mercado bolsista, da influência da guerra nos preços dos combustíveis, das matérias primas, e de componentes para a indústria. Falamos também dos tempos de pandemia e da variação dos preços das máscaras de proteção e do álcool gel, que desceram vertiginosamente depois de a oferta ser superior à procura. Sensibilizei-os para a necessidade de ler com sentido crítico e de confirmar a veracidade dos factos e a fiabilidade das fontes consultadas. Esclareci-os sobre os mecanismos fiscalizadores relativamente ao financiamento comunitário que suporta as obras públicas, de que a reabilitação da Escola Secundária do Cartaxo não é exceção.

Como calcularão os que me conhecem, o executivo camarário responsável pela empreitada não é da minha filiação política. Mas nenhum cidadão que se disponibiliza para o exercício de cargos públicos merece desempenhar as suas funções num clima injustificado de suspeita, ainda que todos sem exceção devam ser escrutinados através dos múltiplos mecanismos fiscalizadores do funcionamento das nossas instituições. Não falámos da atual situação política e judicial do país nem de eleições. Não o faria, por imperativo ético.

Não sendo professora de economia ou ciência política, nem tendo planeado esta discussão em torno de temáticas de cidadania, fi-lo em função da curiosidade, interrogações e interesse dos alunos. Fi-lo como cidadã, como docente responsável pelo desenvolvimento das literacias, e enquanto profissional autónoma na gestão do currículo em conformidade com os normativos, particularmente de autonomia e flexibilidade curricular.

A gramática e os processos fonológicos, conteúdos centrais do meu plano de aula desse dia, ficaram adiados para a aula seguinte. Serão retomados em breve, necessariamente.

Em dia do 43º aniversário da escola, enquanto termino este texto, acompanho os alunos de que vos falei, na biblioteca da escola, numa palestra sobre “cidadania e eleições europeias”, pela Diretora do Centro Europe Direct Oeste, Lezíria e Médio Tejo. Tenho muito orgulho de fazer parte de uma escola que se dedica à cidadania em diferentes níveis da ação educativa! É por estas e muitas outras razões que não compreendo a resistência de alguns cidadãos à introdução da Cidadania e Desenvolvimento nas diferentes dimensões do currículo no ensino básico e secundário.  Ou talvez compreenda as verdadeiras motivações do movimento populista global onde muitos têm pouso. Empoli descreve muito bem essas estratégias no livro “Engenheiros do caos”. Como escreveu Comenius, “a escola é a oficina da humanidade”, e é por isso que, os valores humanistas do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória não podem dispensar uma escola cidadã.

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