Crónica de José Caria Luís
Mesmo não entrando em política – porque não é o meu forte –, não deixo de constatar o que no rescaldo das Autárquicas, os municípios de Miranda do Douro (mirandês) e do Cartaxo (cartaxês) têm em comum. Além dos dialetos – fantasia minha –, a particularidade política de terem elegido os seus dois candidatos sob o signo da mesma bandeira, a do PPD/PSD, a diferença está no facto de a transmontana Helena Barril ter usado o CDS-PP como muleta, coisa de que o João Heitor não precisou, tendo, por isso, de se desenrascar sozinho. Mas, curiosamente, bem vistas as coisas, ao contrário do que seria suposto, o apelido “Barril” assentaria melhor no vinícola município do Cartaxo, digo eu.
Mas, deixando-me de política e de vinícola, vou prosseguindo na saga linguística de raiz popular do meu concelho. Para tal, recordar aquele conterrâneo que, na década de 70, tendo comprado um carrito já um bocado usado e abusado, não se conformava com as deficiências que vinha detetando na máquina. O Zé, que só agora tinha passado a afetivo na fábrica, achou que tinha condições para dar o passo, mas mal sabia o que o esperava. Os três principais problemas tinham a ver com o facto de o vendedor não o ter elucidado das necessidades que o carro tinha para poder andar. Para grande desconsolo do amigo Zé, além do bruto consumo de combustível logo nos primeiros quilómetros, o bólide ainda bebia óleo e água, coisa a que o Zé era avesso. Sem garagem nem qualquer outro modo de esconder a desgraçados olhares da praguenta e enciumada vizinhança, de cada vez que pretendia pôr o motor a trabalhar logo era espiado por todas aquelas cabeçorras que brotavam dos postigos, quais abutres a fitar a presa. Uma vez, já o Zé ia na enésima tentativa, quando passou um fulano, o Atónhe, que há muito tinha carro, que se predispôs a dar uma mãozinha.
– Ó Zé, abre lá o capot! Vamos lá ver o que se passa! Então, não tens água no radiador, o óleo do motor está abaixo do mínimo… E gasolina, ainda tem? Isto assim não funciona, pá! – e prosseguindo: – O meu já tem algumas coisas altemáticas, mas este ainda não. Ora, traz-me aí um pisca-polos e um broquim! – ao que o Zé respondeu: -O que é isso? Acho que não tenho!… Nem uma coisa nem outra. – ainda hoje, estou para saber para que queria o Atónhe o berbequim, se não para destruir o carro. Este, que já vinha atrasado para o almoço em família, e perante a inoperacionalidade e ignorância do Zé, desculpou-se e rematou: – Gostava de te ajudar, mas perdi muito tempo no aviário de porcos do engenheiro Cambournac, e como tenho o pessoal à espera para almoçar, hoje é pirum, tenho que ir embora.
Entretanto, o Zé, que tinha que ir a casa do galinheiro, junto à nora do Zabrigador, levantar a encomenda de um galináceo, ficou-se por casa, esperando que escurecesse para sair de fininho, fora da vista das vizinhas agoirentas. Ele só não gostava muito de andar a pé à noite, fora do povoado, por receio dos belizómetos que, segundo diziam, andavam por lá pelos cruzamentos, disfarçados de burros, atormentando as pessoas de bem e zurrando gineras.
Agora, era hora de encerrar o capítulo e a noite.
*Artigo publicado na edição de outubro do Jornal de Cá.