Opinião de Afonso Morango
Não há dúvida de que o futebol é diferente de todos os outros desportos e nos últimos anos o seu alcance atingiu proporções nunca antes vistas. Hoje em dia, encontramos camisolas do Barcelona ou Real Madrid nos locais mais recônditos do globo e os movimentos das estrelas dentro das quatro linhas alimentam os sonhos de milhões de crianças em todo o mundo.
Entre clubes e seleções nacionais, a diversidade de fãs é fantástica e é de quatro em quatro anos que todo o Velho Continente se ilumina para receber o Europeu de futebol, uma competição lembrada com tanto carinho pelos portugueses. As competições que envolvem seleções atraem ainda mais fãs que o habitual. É aquela altura em que mesmo o adepto mais relutante celebra um golo marcado pelo seu país com genuína alegria, muitas vezes sem saber bem porquê. É pura emoção no momento, o nervosismo em jogar contra uma grande seleção, os gritos nos cafés e junto aos ecrãs gigantes que, infelizmente, só veremos novamente daqui a quatro anos.
Para este Europeu, Portugal entrou como campeão, fruto do muito sofrido percurso em 2016, e como candidato a revalidar o título. A fase de grupos apresentou-se, desde logo, como um grande obstáculo. Tínhamos connosco as poderosíssimas seleções da Alemanha e da França, a atual campeã mundial, acompanhadas da Hungria, que, apesar de todas as previsões, apenas perdeu para Portugal logo no primeiro jogo. Foi nesse mesmo jogo que Portugal mostrou o ar da sua graça, numa grande vitória contra os magiares. Tudo tinha começado bem, mas a pesada derrota ao segundo jogo contra a máquina alemã mudou um pouco o panorama. De repente, todos os portugueses tiraram a calculadora do estojo e começaram a fazer contas. Mas afinal por quanto poderíamos perder o próximo jogo? Desde que não fosse por mais de dois golos, tudo ficaria bem e passaríamos à fase seguinte. Foi rara a menção a uma possível vitória frente à França. Parecia que por todo o país, em todos os programas desportivos e entrevistas, tudo o que interessava era o empate ou uma derrota pela margem mínima. Mesmo sendo Portugal uma das equipas mais fortes neste momento, com jogadores nas mais altas esferas do futebol internacional, a vitória contra a França parece nunca ter sido sequer uma opção. A verdade é que o empate foi, de facto, o resultado final e o primeiro objetivo de passar da fase de grupos tinha sido cumprido. Avizinha-se agora a Bélgica já no primeiro jogo da fase a eliminar, em que podemos esperar mais cento e vinte minutos de sofrimento, já que a seleção nacional se recusa a ganhar um jogo nos noventa minutos, tal como aconteceu em 2016. Tem que ser mesmo até à última, seja no prolongamento, seja nas grandes penalidades. A própria equipa parece encarnar o espírito português: o empate chega desde que passemos e só precisamos do mínimo. Rafael Bordalo Pinheiro encontraria inspiração em Fernando Santos e nos seus jogadores o seu novo Zé Povinho.
Esperemos que o mínimo português chegue para ouvirmos a Portuguesa pelo menos mais três vezes até à final em Wembley e quem sabe, talvez possamos voltar a mostrar à Europa que Portugal afinal também é, depois de todas as contas, grande.
*Publicado na edição de julho do Jornal de Cá.