Apesar do apelo da Liga dos Bombeiros Portugueses para que as corporações não reportem ocorrências aos respetivos Comandos Distritais, em protesto pela nova Lei de Bases, muitas são as corporações que optaram por não corresponder ao apelo da Liga e continuam a trabalhar como até aqui, ou seja, reportando as ocorrências aos Comandos Distritais de Operações de Socorro.
É o caso dos bombeiros Municipais do Cartaxo que estão “a funcionar exatamente como estávamos”, esclarece o comandante da corporação, David Lobato, adiantando que “não nos revemos neste protesto. A Liga dos Bombeiros – perdoem-me eu dizer assim, mas é a realidade – a Liga dos Bombeiros voluntários nunca olhou para os Municipais como olha para os outros corpos de bombeiros e nós também não nos revemos e não acatamos aquilo que foi decidido por eles”.
David Lobato está confiante que o não reporte aos respetivos comandos distritais não vai interferir com o normal funcionamento das corporações. No entanto, “se estivermos a falar de um acidente grave, de um incêndio grave, onde tem de haver gestão de meios e no nosso caso, por exemplo, de meios externos ao distrito, já que fazemos fronteira com o distrito de Lisboa, não faz sentido nós não reportarmos qualquer que seja a movimentação de meios ou os pontos de situação sobre as ocorrências”. E recorre mesmo a um exemplo: “imagine que nós temos um acidente no nosso troço da A1, onde temos um acidente em cadeia com vários feridos, mais de dez. Para pedir reforço de meios, porque nós temos quatro ambulâncias que, em princípio, transportam quatro feridos. Se eu tenho dez, preciso de mais seis. Eu não posso dar-me ao luxo de andar a ligar, comandante a comandante, para pedir para eles me ajudarem, correndo o risco de esses comandantes nem sequer terem meios disponíveis. E o Centro Distrital tem, na hora certa, toda a informação de quais são os meios que estão disponíveis e faz o despacho dos meios que são necessários”.
Situações que, em última instância, poderão configurar omissão de socorro. “Ainda agora tivemos ali um atropelamento. Mandei um veículo. Mas o comandante de operações de socorro teve de decidir, se precisasse de outro tipo de meios, era ele que tinha de assumir. Ou seja, se ele não fizesse a transmissão desta informação, estava a assumir a responsabilidade disso”, explica.
Por tudo isto, David Lobato considera que as consequências desta tomada de posição da Liga não foram bem pensadas, “eu até acho que havia razão para ter havido protesto já há alguns meses, se calhar, anos atrás, quando nós começámos a deixar de ser vistos como o principal agente de Proteção Civil. Neste momento, temos a GNR a fazer o mesmo que os bombeiros fazem, no caso dos incêndios, foram criadas agências para, mas nessa altura, quando elas foram criadas e nós podíamos, realmente, ter reivindicado e dito que nós conseguimos”.
“Neste momento, temos dois protestos. Para os bombeiros municipais urge uma carreira, como é público, que nos defina, que nos encaminhe e nos regule para aquilo que é a nossa função. Se concordo ou não com a proposta, se calhar não, mas se calhar é melhor ter esta do que a que tínhamos. E temos a reivindicação da Liga, que não tem nada a ver com os bombeiros profissionais, tem a ver com uma lei orgânica que eu ainda não percebi muito bem qual é a reivindicação; o segundo ponto é a questão de serem auditados. Já acontece isso e eu acho que isso nem devia ser um problema, porque eu acho que devíamos ser completamente transparentes. Eu acho que as auditorias são boas. Eles recebem dinheiros do Estado, ao contrário de nós, que são os municípios que nos financiam totalmente. Portanto, têm de ser auditados”, esclarece David Lobato.
A questão de os bombeiros passarem a integrar as Comunidades Intermunicipais também “não vejo porque não, neste momento, os municípios já funcionam todos assim”. Já no que diz respeito às regalias que há, ou não, para os bombeiros voluntários, “aí talvez já possa concordar, mas não é a lei orgânica que diz se vamos ter isto ou aquilo”.
“Eu acho que até a própria Liga não percebeu muito bem o que é que quer, ou quer qualquer coisa que já perdeu há algum tempo, e achou que este era o momento para reivindicar”, adianta o comandante.
Crítico assumido de Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, David Lobato diz que esta tomada de posição pode ser vista como uma tentativa de politizar esta questão. Há três anos, David Lobato integrou uma lista concorrente à liderada por Marta Soares, que acabou por vencer com 70 por cento, “portanto, acho que foi evidente que os bombeiros queriam que isto fosse assim. Chegámos, se calhar, ao ponto em que toda a gente diz que não queria que fosse assim, mas o certo é que chegámos. E temos um problema, não tenho dúvidas nenhumas”.
“Não é este o caminho que nós queremos, e acho que não é este o caminho que os bombeiros portugueses querem”, remata.