O século da intolerância

Opinião de João Fróis

Habitualmente associamos intolerância a um desfasamento orgânico, uma não compatibilidade entre um alimento e a capacidade para o processar e aceitar. Mas a pior das intolerâncias é a humana, entre pares, na repulsa e não aceitação do outro, tout court. Assistimos nos dias que correm a fenómenos de absurda e inqualificável intolerância social e ética, de absoluto desprezo pela dignidade individual e pelo respeito que cada um de nós merece enquanto ser humano.

Episódios recentes demonstram esta escalada terrível de violência abrupta e feroz sobre o outro.

O que sucedeu num avião da United Airlines é capitular. Numa situação de overbooking e excesso de passageiros para os lugares disponíveis e não tendo havido voluntários para dispensar os seus lugares, a companhia decidiu sortear os lugares e obrigar a que os contemplados tivessem de abandonar a aeronave. Ora, este absurdo levou a que um cidadão chinês não tivesse aceite e se visse violentamente puxado pela cabine, contra a usa vontade, sendo ferido no corpo e nos seus direitos de passageiro e cidadão do mundo. Que mundo é este onde se trata assim quem pagou pelo direito a viajar? Que aberração é esta onde alguém decide expulsar outrem, de onde não pode nem deve, de forma violenta e abjeta, para satisfazer pretensões que se tornam incompreensíveis? Ao mesmo tempo, em Portugal, uma claque de um clube desportivo faz um apelo à morte de atletas de um clube rival usando uma fatídico acidente aéreo onde morreram dezenas de pessoas e atletas de um clube de futebol brasileiro. A intolerância pelo outro assume aqui contornos dantescos e brutais ao usar um exemplo triste de morte coletiva para desejar que nessa fúnebre ocasião estivessem sim os atletas do clube rival em questão. Usa-se um episódio fatídico e que merece todo o respeito para desejar que essa mesma “sorte” macabra suceda a rivais!! Ignóbil e totalmente condenável.

Nos palcos da guerra na Síria são usadas armas químicas, contra todas as convenções internacionais, provocando um sofrimento atroz a crianças e civis inocentes. As imagens são violentíssimas e aviltantes. Atiram-nos para os campos de concentração nazis e para os gullags soviéticos, despejando-nos de toda a dignidade e valor, tornando-nos objetos, violentando-nos a humana condição até ao estertor da existência.

Enquanto isso, ouvimos Marine Le Pen a afirmar que expulsa os infiéis se ganhar e assistimos a mais um ataque bárbaro na Suécia, usando o mesmo móbil de Nice, contra civis que apenas viviam as suas vidas numa normalidade que se quer assegurada. A morte vai chegando nas asas negras e pérfidas da intolerância que ensombra o mundo e nos torna inimigos letais do vizinho, do migrante, do diferente.

Em Inglaterra, em tempos de convulsão social Brexit, os testemunhos de Intolerância sobre os estrangeiros crescem diariamente e o sentimento de excomunhão instala-se. A anterior aceitação da diferença está a ceder perante o caos e a não tolerância ao outro que não é como nós, não veste igual, tem pele diferente e sotaque extruso. Tudo agora é motivo de juízo, de crítica feroz, de julgamento na praça pública.

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Da classe política esperamos atitude e exemplo mas não é isso que vemos. Os radicais não medem as palavras e vomitam acusações e impropérios que deveriam calar, evitando inflamar as hostes onde já ardem almas nas fogueiras justiceiras dos subúrbios urbanos.

Nas redes sociais e nas páginas partilhadas o nível baixa até ao indizível. Trocam-se acusações, ofende-se gratuitamente por tudo e nada, a pretexto da diferença de clube, de fação política, de religião. Dispara-se contra o outro sem sequer interessar o dano que isso possa causar. O egoísmo está a atingir limites perigosos e que podem descambar em violência generalizada nas ruas. Neste clima intolerante há quem se aproveite para semear o caos e a desordem, procurando obter dividendos nessa insanidade social. Que não interessa a ninguém mais que aos que vivem na sombra da lei e da ordem que a mesma professa e defende.

Nas escolas dá-se formação mas não se educam crianças e futuros cidadãos. Essa formação cívica deve ser feita em casa e pelo exemplo mas infelizmente há cada vez menos estrutura familiar para assegurar novas gerações com espinha dorsal bem estruturada. E muitos são confrontados com a necessidade de se preservarem e defenderem, furtando-se ao confronto e às mossas duras da intolerância. São tempos sombrios e preocupantes os que vivemos. A tolerância tem de ser semeada todos os dias, fomentada com boas práticas e atitudes de elevação e que nos honrem enquanto seres humanos. Atentar contra o outro como se fôssemos donos de uma qualquer verdade é seguir as pisadas sangrentas dos ditadores e déspotas que a história tão bem ilustra. É na história coletiva que temos de beber ensinamentos para não voltarmos a cair nos abismos negros e profundos das trevas da intolerância. Obrigado e bem hajam todos.

Isuvol
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