Crónica de José Caria Luís
É que a paciência para aturar esta gente já não abunda como antes. Andam por aí uns grupos de manifestantes que, autodenominando-se negacionistas e antivacinas, antes preferindo que se caia de podre numa qualquer valeta, arrastando com eles uma incomensurável multidão, vão fazendo olhos vesgos e orelhas moucas aos avisos, aos dramas que se vão conhecendo com a iminente obturação hospitalar. Há uns outros (muitos) que, ainda que não se organizem em manifestações de rua, também agem na rua, quase sempre ao lado de tascas ou cafés, mas de modo mais contundente, isto é, juntam-se em magotes por tudo o que é sítio -sítio esse também frequentado pelos inocentes – beberricando, quebrando garrafas e armando conflitos tais que, muitas vezes, degeneram em pauladas, facadas e, até, atropelamentos. Vejam bem que, até na antes pacata Vila Nova de Milfontes, o sono alentejano foi barbaramente perturbado.
Nestas últimas semanas, então, tem sido um desfilar de broncas, velhas e novas, que já nem sei onde certa Imprensa vai arranjar tempo para abordar todos esses temas. Sendo que, com certeza, por razões de programação, ou porque receiam que os telespetadores, muitos deles com a maleita de Alzheimer, repetem, repetem, dez, vinte vezes, enfim, até o conteúdo ficar bem no ouvido dos pacientes, especialmente daqueles que ainda não arranjaram uns míseros 4,99 € para equiparem as orelhas com aquele milagroso par de rolhas. E digo mais: não fora o chorrilho de asneiras e verborreia debitado por doutos pivots e certos apresentadeiros, como, por exemplo, interviu, em vez de interveio; fizestes; haverão sinais… e do nosso antigo bom dia (a.m.) – que vigorava até ao meio-dia – e que dava entrada à boa tarde (p.m.), que era atingida pelas 13 horas -, e tudo o que por demais negativo temos vindo a assistir, até podíamos ser mais felizes. Não fora tudo isso, e o povo seria muito mais culto. E que é feito dos Provedores? Foram fazer companhia aos agentes do SEF?
E porque falei em repetir, não aludo somente às enésimas e fastidiosas repetições de certo canal de TV, mas lembrei-me dos dichotes das velhas da minha terra que, enfadadas pelas repetidas perguntas da miudagem, respondiam: – “Eu não sou como o relógio de Valada! Esse é que repete sempre três vezes!” E nós, os putos, acreditávamos. No entanto, pelos anos 60, trabalhei algum tempo naquela localidade ribatejana, por sinal, no edifício da Junta, mesmo ao lado da torre do relógio, e dei comigo a contar as vezes que o sino das horas repetia o conjunto. E não era que o relógio só repetia duas vezes?!… Como se, na época, aos jovens não bastassem outros condicionalismos, vejam lá que até as velhas nos cerceavam os conhecimentos.
Mas estes últimos casos, comparados com a catadupa de desvios do nosso dinheiro através das fraudes bancárias e da sofisticada corrupção vigente, nem chega a ser um grão de areia na complexa engrenagem.
O sentido da epígrafe, sem ser saudosista, deu-me alguma saudade. Não é que dantes, pelos anos 60 e 70, fosse tudo um mar-de-rosas, mas as cadeias estavam mais arejadas. Hoje em dia, se quiserem dar um maior incremento à construção civil, construam cadeias em série, porque clientes não vão faltar.
*Artigo publicado na edição de agosto do Jornal de Cá.