Hoje, sabemos mais que ontem (I)

Crónica de José Caria Luís

Ah, pois! Admitindo que os neurónios de hoje, ainda são o que eram ontem, nem é preciso recorrer a Jacques de La Palice, para concluir que a epígrafe é verdadeira. Talvez por isso, muitas vezes tenhamos presente as expressões do: “se eu soubesse…”; ou: “tivesse eu adivinhado…” Pois, mas há quem aprenda com os erros, e há os outros que nem assim. Mas a sociedade vai sofrendo metamorfoses tais, a um ritmo cada vez mais alucinante, que ninguém faz ideia aonde é que isto vai parar. Começar nos anos 40, no pós-guerra, e, desde então, ver tanta transformação operada no mundo, nem o maior adivinhão seria capaz de prever.

Desde tempos muito remotos, fomo-nos habituando a ver os mais variados modos de vida, mormente nas aldeias, onde a base de sustentação era a agricultura. Quase todos e todas eram trabalhadores rurais. Os homens tinham o seu mercado laboral, normalmente à 2.ª feira, à esquina de uma ou mais tabernas. Era tradição. Muitas vezes, o mata-bicho até fazia parte da jorna. Ali estavam esses cavadores de enxada, expostos, à mercê dos proprietários das fazendas que, após escolha, os haviam de contratar.  Não digo que fosse humilhante, mas tinha o seu quê de incómodo, já que havia os preferidos e os preteridos. Estes, em muitos dias, até ficavam sem trabalho. Ao invés, as mulheres não tinham de se sujeitar a tal triagem em público, pois eram contactadas e contratadas nas sua próprias casas.

Os tempos iam mudando e, com eles, os modos de vida. Quem me havia de dizer que ainda iria assistir ao desmantelamento dos guardas-pardaleiros… Assim era denominado pelos putos, o par, a patrulha apeada de 2 homens fardados sem grande rigor, de polainas sobre botas arreganhadas, que, armados de carabina, percorriam todas as zonas rurais do concelho, procurando dar caça aos caçadores furtivos. Era a Guarda Venatória. A rapaziada temia-os e, como era uma farda, para amedrontar, chegava. No entanto, não eram tão temidos como a GNR. Sob o comando do austero cabo Rosa – baixo no físico, mas grande em altivez – estas patrulhas, apeadas ou de bicicleta, podiam autuar qualquer comerciante ou cidadão comum no espaço rural do concelho. Multados por ter ou não ter cão, até os vinhateiros, que se deslocavam nas suas carroças, sofriam esses reveses.

Agora, paradoxal era a presença nas aldeias, quer da GNR, quer dos agentes de fiscalização das Atividades Económicas. Assim que, num extremo da terra, alguém se apercebia de qualquer movimentação da autoridade, encetava uma correria louca, num passa-palavra sem precedentes, tentando alertar todos os merceeiros, talhantes e taberneiros para o perigo da presença do inimigo. Afinal, com tal procedimento e, segundo se acreditava, os inimigos não eram aqueles que nos surripiavam umas coroas em cada compra que fazíamos, ou nos enganavam na manigância da balança, não. O inimigo público eram os recém-chegados, ávidos de vingança que, em segredo (pensavam eles), se preparavam para desbaratar o espólio financeiro da terra, pertença dos nossos conterrâneos.

Quanto à Pandemia, era bom que se esfumasse antes de eu voltar aqui.

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*Artigo publicado na edição de maio do Jornal de Cá.

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