Hoje, sabemos mais que ontem (II)

Crónica de José Caria Luís

Dando seguimento ao capítulo anterior, constato, sem surpresa e com grande lamento, que o diabo do Corona ainda não zarpou daqui para fora. Fosse ele coisa boa, e não éramos nós portugueses a usufruir de tal benesse. Não faltaria povo que, fazendo valer o seu poderio geoestratégico, económico-social e militar, não chamasse a si tal direito cerceando-nos o nosso. No entanto, valha-nos a verdade que, desta vez, e contrariando as já useiras e vezeiras estatísticas continentais, em termos de desgraça, não estamos na cauda do desfile. Aquela estafada frase, cuja base é a triste sina, o fado e o choradinho, muito característicos do tuga, como: “Caminho ruim nunca o erro!”, no caso vertente deixou de fazer sentido.

Lamentos à parte, atendendo ao título em epígrafe, e fazendo fé de que hoje sabemos mais que ontem, prosseguimos na senda dos modos de vida, e da propalada sabedoria popular que vigorava nas aldeias da nossa região e a cuja evolução fomos assistindo. Assim, aludindo aos modos de vida nos difíceis anos da década de 50 e parte da de 60, o comércio era bastante diversificado. O pão, por exemplo, tanto se podia adquirir na padaria local, quase sempre mais caro, como comprado numa ou noutra mercearia. Até havia o “padeiro à porta”, que começou por ser protagonizado pela cartaxeira D.ª Laura. Manobrando os varais de um carro de duas altas rodas, com cesta central ovalizada, feita em vime, palmilhava aquela estrada de um poeirento macadame, entre o Cartaxo e Vale da Pinta, todas as manhãs que vinham ao mundo, sempre com um sorriso na face. A sua filha, a Maria Emília, também o chegou a fazer, mas apenas quando alguma enfermidade atingia a sua mãe. A certa altura, e com a idade da senhora na fase crepuscular, foi a vez de aparecer por lá o Valeriano, o da “Zurrapa”. Este, mais moderno, já se fazia deslocar numa motorizada adaptada e com a caixa do pão já blindada.

Mas nem só o pão se transacionava nas freguesias, já que outros produtos, como o petróleo, o azeite, o sabão e a lixívia, eram vendidos ali na rua, a granel, sem que alguém da clientela se amofinasse pela circunstância da confluência de proximidade entre eles. O Sequeira, o velho “petrolino”, quase sempre acompanhado do filho, percorria todo o concelho na sua carroça, puxada a macho. Mais tarde, passou o negócio ao seu afilhado Nélson Carvalho, o qual prosperou meteoricamente, arranjando um pequeno império em poucos anos. Mas voltando à falta de higiene com que os produtos eram manuseados, nem era preciso que viesse um qualquer “petrolino” de fora da terra desafiar as leis sanitárias, já que nalguns “lugares”, “pomares” e em mercearias de vão de escada cá do burgo, essas práticas também não primavam pelo asseio. Tanto se atendia o cliente com 0,5 kg de carvão, 1 kg de cal para caiar ou um remédio para as formigas, para, logo a seguir, lhe aviar um molho de nabiças, 1 kg de maçãs, 100 grs de massa cortada e 100 grs de marmelada. Água e sabão, nem ver. A não ser que, no caso da cal, essa tenha sido considerada como um desinfetante… Mas isso era coisa a adiar para além do século XX.

Mas a evolução continuava.

*Artigo publicado na edição de junho do Jornal de Cá.

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