Hoje, sabemos mais que ontem (V)

Crónica de José Caria Luís

Na presente Era pandémica, tendo em conta o grande sofrimento por que passam muitos milhares de famílias, e não apenas as que foram diretamente afetadas pela pandemia, roga-se para que a sensatez se instale, de vez, por cá. Por cá e por lá!… É que, enquanto alguns envidam esforços no sentido da não proliferação, outros teimam e impõem, mesmo, um ditatorial e avantajado arraial concebido para reforçar os já abarrotados cofres da casa, contrariando, deste modo, a velha doutrina apregoada. Todavia, e tentando esquecer, ainda que por instantes, o flagelo, concentremo-nos nos famosos anos 50/60.

Como dizíamos na pretérita edição, estávamos nós – grupo de rapaziada do concelho – a usufruir de mais um animado “baile das caramelas”, por Quintas da lezíria, quando uma inusitada e tumultuosa atitude, tomada pelo capataz daquele grupo de 30 barroas, empunhando uma forquilha, desestabilizou por completo um ambiente que, até então, pediria meças a uma qualquer e sã irmandade.

– “Há por aqui uns certos meninos viuvácios, que não comeides mais pão!” – ameaçou.

Seria o terceiro bailarico da época da safra. Os primeiros dois decorreram sem incidentes, e atendendo a que a água-pé era do mesmo tonel, não se percebia esta tomada de posição do capataz. Além deste, apenas dois rapazolas, aguadeiros, faziam parte do staff masculino. De resto, poucas mulheres e muitas raparigas. Instado, sobre a sua atitude, o homem, que nem sequer tinha lá uma única familiar, fez questão de esclarecer o seguinte:

Ele, capataz, detetara que, de quando em vez, de 30 mulheres que, obrigatoriamente, estariam presentes na dança, apenas 24 rodopiavam. O que, no dizer dele, as 6 em falta já tinham ido (rodo)piar para o exterior da adega. Ele também estava desconfiado que o mesmo se passava com os rapazes. Através de um inventário dinâmico, o homem concluíra que os gandulos seriam bem mais do que aqueles que andavam na dança. Por isto ou por aquilo, era evidente que alguns teriam dado de frosques, não para muito longe dali.

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Agora, na ausência do fantasmagórico homem da forquilha, e meia dúzia de décadas depois, dá-me vontade de lhe perguntar, se ele ainda me puder responder:

– Mas, então, se desconfiava e para melhor controlo, porque não apôs ele um dístico numerado nas costas de cada par? E porque não lhe ocorreu fazer a chamada, como na tropa, a fim de detetar algum(a) refratário(a)? E, numa total ausência de logística, de que modo garantia e contabilizava ele as vezes que o pessoal iria mictar? Ou mesmo apanhar ar fresco, por que não? E será que nunca lhe passou pela cachimónia, que 30 mulheres em grupo, espécie de tropa, ou em espécie de Irmandade desenclausurada, meses a fio na presença de três amostras de homem, podem ocasionar transtornos psicológicos?

Além dos descritos comparsas, apenas a, também, amostra de homem, o feitor José Parente, figura rechonchuda, tipo bola, com cerca de 1,50m, por lá aparecia uma vez por quinzena, em visita-relâmpago. Era pouco, muito pouco. Todos, eles e elas, tinham a obrigação de nos agradecer e, até, prestar vassalagem por tal filantropice, em vez da grave ameaça.

*Artigo publicado na edição de setembro do Jornal de Cá.

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