Liga dos Campeões da Hipocrisia

Opinião de Ricardo Magalhães

Foi durante o mês de junho que a UEFA anunciou ao mundo que o que resta da maior competição de clubes do mundo, a Liga dos Campeões, terá como palco a radiosa e elegante cidade de Lisboa. A notícia foi recebida em Portugal com popa e circunstância (demasiada), numa cerimónia que juntou quase todas as mais altas figuras da nossa democracia para celebrar aquela que apresentaram como uma conquista dos portugueses, um “prémio” justo por todo o esforço realizado para controlar a epidemia.

Rapidamente se gerou controvérsia à volta deste tema. Desde a evocação dos riscos que a realização deste evento poderia ter para a saúde pública até à interpretação demasiado literal das palavras do primeiro-ministro, tudo serviu para encher mais umas páginas de jornais e umas horas de televisão. No entanto, faltou quase sempre propriedade e rigor nas análises realizadas, umas vezes por interesse político, outras por falta de cuidado e reflexão.

A Covid-19 abalou, e de que maneira, as economias de todo o mundo e um dos setores mais afetados, se não o mais, foi o do turismo. Segundo dados do Turismo de Portugal, em 2019 o setor foi responsável por 52,3% das exportações de serviços, 19,7% das exportações totais e 8,7% do PIB português. Não surpreende, por isso, o contentamento dos nossos governantes em receber uma das mais importantes competições do mundo no nosso país. Por duas razões: a divulgação única do nosso país que constitui e a mensagem de segurança que passa a quem nos pensa visitar.

O turismo no ano de 2020 foi quase completamente destruído pela pandemia e países como Portugal, Espanha e Grécia estão a lutar pelas migalhas que ainda restam. Qualquer impulso que possamos dar à economia nesta fase é importantíssimo e tem um impacto enorme na proteção da vida das pessoas nesta crise económica. Ao longo dos últimos 15 anos foram alcançadas marcas impressionantes no turismo em Portugal e não seria sério desconsiderar a importância que eventos como a Expo 98 e o Euro 2004 tiveram nesses resultados. Da mesma forma, não é sério fazê-lo com a Liga dos Campeões, especialmente quando este ano o anfitrião não recebe somente uma final, mas toda uma espécie de play-off de apuramento de campeão, numa altura em que, após tantos meses de paragem, as pessoas estão sedentas de futebol de qualidade.

Termino com uma síntese do que fica por dizer:
– É populista alarmar as pessoas com os estrangeiros que irão visitar o nosso país, quando os portugueses andam eles mesmos relaxados com a prevenção da pandemia. O cuidado e prevenção têm que existir no dia-a-dia e não apenas como bandeiras para aniquilar o ganha pão de muita gente no nosso país (só no Algarve o desemprego aumentou 200%).

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– Dizer que os outros países europeus não estavam interessados em receber a Liga dos Campeões para além de falso é calunioso para com o nosso país. Alemanha e Espanha (anfitriões das fases finais da Liga Europa e Liga dos Campeões feminina, respetivamente) tentaram tudo para o conseguir e mais candidatos se lhes seguiriam.

*Artigo publicado na edição de julho do Jornal de Cá.

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