A par das largas dezenas de estabelecimentos que emolduravam toda a zona central do Cartaxo, e dentro de um outro ramo, algo fino, lá estavam, de portas e montras viradas à Batalhoz, as escolas de costura e bordados, representando as marcas Singer, Husqvarna, Oliva e Pfaff. Não entrava nelas quem queria. Na verdade, não eram precisas habilitações maiores que a 4ª classe, mas aquelas que não fossem dotadas de boa figura e porte, ai não entravam, não! Também o excesso de exsudação era tido em conta, pela negativa, já se vê. Quem fosse atreita a transpiração, que o fizesse em casa.
Falando de costura, não se pode deixar de referenciar os ateliers da Estini, da Esmeralda, do Catela, do Pindelo, da Gertrudes Pita e da Isabel Nicolau. Eram autênticos ninhos de formação das raparigas, muitas delas ainda teenagers. Foram casas que marcaram uma época. Era ver a rapaziada das oficinas que, sacrificando a, já de si curta, hora de almoço, comiam com sofreguidão só para arranjar uns minutos que lhes permitissem o pavoneamento pelas redondezas, quase sempre de bicicleta, para deitarem o olho às costureirinhas que por ali trabalhavam. Eles viam, mas também queria ser vistos. Dava para ver que as pomposas popas, com o risco muito alinhado, desde a testa ao cocuruto, tinham sido trabalhadas a preceito nos minutos que antecediam o romântico périplo.
Ao cair da tarde, terminada que estava a jornada laboral e arrumadas a agulhas e dedais, quem por ali deambulasse e estivesse minimamente atento, assistiria a um autêntico desfile da saída das meninas, também elas bem penteadas a rigor, melhor brunidas e com uma descarada, mas encenada sobranceria, com desdém, como convinha, para atrair os olhares dos rufiões. Pela rua Batalhoz acima, ou abaixo, segundo as coordenadas do azimute do destino de cada uma. Dava gosto vê-las, quais formiguinhas, à procura de rumo.
Todavia não se pense que, pelo facto de elas conviverem, no dia-a-dia, com a média costura, estavam em regime de cumplicidade com esta… A umas quantas só lhes faltava dormir à noite, com os vestidos de dia. Tanto assim era que, certa vez, quando, vindo do trabalho, passei na estreita Travessa da Senhora, fui insultado por uma atrevidota, de um grupo de três moçoilas da vila, que me atirou: – Olha, aqui vai mais amostra da miséria de carrapatoso!
Perante tal afronta, eu, que não era um puto dócil, respondi: – Miséria és tu, que andas sempre com o mesmo vestido!
No dia seguinte, voltei a passar naquela calçada e dei de frente com a mãe da Leta, a tal provocadora. A velha, em gritaria, como era timbre daquela gente, disse, então, para uma das suas vizinhas: – Já estou a ver, que tenho que comprar um vestido à minha Leta! Este carrapatoso diz que ela anda sempre com o mesmo vestido!…
Ah, pois! Melhor seria que o fizesse, porque, já sem cor e a ganhar brilho, não tardaria a ficar impermeável.
Leta à parte, algumas das costureirinhas forasteiras, formando grupinhos, juntavam-se ali pelas bandas do Grémio da Lavoura, para, numa caminhada de quase quatro quilómetros, retornarem a Vale da Pinta. No dia seguinte tudo se repetia.
Crónica publicada na edição de abril do Jornal de Cá.