A armadilha da gratificação instantânea

Opinião de Ricardo Magalhães

Graças à evolução tecnológica, vivemos num mundo que nunca foi tão rápido e conveniente como hoje em dia. A generalidade das pessoas encontra supridas quase todas as suas necessidades básicas e o sentimento de gratificação parece muitas vezes estar à distância de um clique.

Apetece-vos ver um filme? Podem ver qualquer um sem se levantarem do sofá da vossa casa. Comprar roupa? Basta encomendar pelo computador e no dia a seguir ser-vos-á entregue à porta de casa. Ouvir música? Peçam ao vosso telemóvel que ele cria automaticamente uma playlist com as vossas músicas preferidas. Até agendar um encontro pode estar a minutos de distância para quem fizer o download de alguma app.

Tudo isto é fantástico, principalmente considerando que há não muitos anos atrás estas e outras coisas pareceriam uma realidade atraente, mas ainda distante do mundo em que vivíamos. De certa forma, somos hoje mais livres por termos todos estes meios à nossa disposição. Há apenas um pequeno senão em tudo isto. É deixarmo-nos perder neste mundo de possibilidades, como que vivendo num labirinto no qual esquecemos para onde queremos ir.

Vou explicar. A gratificação quase instantânea que qualquer destes instrumentos nos dá, esfuma-se também ela rapidamente. E então, vamos imediatamente procurar mais gratificação. A seguir à qual voltamos a fazer o mesmo. E no final do dia, da semana ou do mês, olhamos para trás sem nos sentirmos realmente felizes ou realizados, mesmo que tenhamos estado entretidos o tempo todo.

A realização ou felicidade pessoal vem na maioria das vezes dum grande projeto a que nos dedicamos ao longo de um largo período de tempo (anos ou décadas), seja ele uma relação, um desafio profissional, um hobby ou um movimento solidário. Um projeto desafiante, no qual vamos arriscar com a garantia de que vamos falhar, crescer com a garantia de que nos vamos ter que reinventar pelo caminho e ter histórias de chorar a rir mesmo que na altura em que elas aconteceram tal nos parecesse ridículo.

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As tecnologias de que vos falei não são a alternativa a estes projetos. Devem sim ser recursos à nossa disposição, de uma utilidade sem dúvida enorme. No fundo, apenas não se deixem distrair com elas, num ciclo de gratificação instantânea sem fim. Procurem utilizá-las para um fim, sonho ou bem maior. Talvez assim nos consigamos tornar verdadeiramente felizes e realizados.

*Artigo publicado na edição maio do Jornal de Cá.

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