O mundo é um lugar complexo. Tanto quanto a profusão de seres que o habitam e entre estes, definitivamente, a espécie humana eleva tudo a um patamar superlativo.
O recente movimento Woke tem vindo a agitar os alicerces sociais e a própria consciência coletiva, pondo em causa o que a história nos ensinou como evolução natural da civilização.
Este dito movimento parte da premissa de que ninguém pode ser suscetibilizado em qualquer circunstância, tornando praticamente tudo uma ofensa. O pior é que esta aberrante visão da sociedade está a colher entre instituições que supostamente deveriam proteger o legado da história e a compreensão de cada fenómeno à luz da época em que ocorreu.
A saga cinematográfica 007 está a ser revista sob este novo lápis azul, sendo retirados todos os conteúdos considerados ofensivos, como a designação de negro, que passa a ser de pessoa de raça negra. As referências à homossexualidade vão ser banidas. Mesmo que à época fossem tidas como “normais”.
Antes de avançar cumpre afirmar que a proteção dos direitos de todo e qualquer indivíduo são um pilar inquestionável da magna carta dos direitos humanos, quer seja nas constituições de cada país, quer seja no documento universal que a ONU consagrou. Assim como a luta contra todos os fenómenos de xenofobia e racismo deve ser apoiada, consagrando a proteção dos direitos fundamentais que a humanidade tarda em tornar generalizados.
Coisa diferente é querer rever a história e pôr em causa todos os acontecimentos que nos trouxeram, bem ou mal, até aos dias de hoje.
Se olharmos aos por nós ocidentais apelidados de Descobrimentos, observamos a perspetiva do Brasil que denomina de “Achamento”, em virtude de considerar, legitimamente, que nas terras que os portugueses vieram a ocupar já existiam populações de índios e que assim, os nossos antepassados apenas acharam o que já lá existia, nada tendo criado de novo, antes e só alterado substancialmente. De tal forma que por força do esclavagismo introduziram a raça negra na américa do Sul, suscitando a mistura racial que compõe o atual Brasil.
Mas se nos dias de hoje, e bem, não toleramos a escravidão, isso não significa que devamos retroceder centenas de anos e censurar a história, modificando a própria evolução dos povos e nações. Mas a estupidez alastra chegando ao ponto de negar o que desde sempre foram factos, a exemplo do que muitos ainda fazem com o holocausto, defendendo que nunca existiu e foi uma invenção dos países aliados, vencedores das duas grandes guerras mundiais do século XX. As teorias da conspiração crescem como ervas daninhas através das redes digitais e semeiam a discórdia, o ódio e a intolerância. A tecnologia acelerou à velocidade da luz mas a mentalidade manteve o curso de um caracol.
Querer alterar a história é além de incompreensível, uma enorme estupidez. Afinal nunca ninguém agradou a todos e a essa mesma história ensina que os grandes líderes, religiosos, políticos e militares, sempre tomaram decisões que foram contra alguns, favorecendo outros. E não está em causa se foram as melhores ou mais acertadas, cumpre aceitar que foram opções que moldaram o curso da história e nos trouxeram até aos dias de hoje, onde temos a suprema liberdade de defender as nossas opiniões por mais estranhas e absurdas que pareçam à maioria. Coisa diferente é querer que essas visões sejam a “lei” e imponham os seus critérios subjetivos e parciais à sociedade. Se há grupos que acreditam que a terra é plana estão no seu direito mas não podem ambicionar que o mundo aceite essa visão como a verdadeira, mais não seja porque as evidências científicas de que o planeta é esférico são por demais evidentes. Nicolau copérnico e Galileu Galilei já o sabiam nos séculos XV e XVI e a sua determinação mostra exatamente a rotura que fizeram com a história e a visão religiosa do mundo, lutando pela verdade que a ciência sustentava e não por uma qualquer crença que ambicionassem impor. A história da humanidade tem sido moldada a sangue, suor e lágrimas. Guerras e batalhas pela posse, pelo território, pela identidade. E por entre tanto sofrimento e resistência, a evolução sempre vingou, alterando padrões, perceções e regras sociais.
Devíamos antes do mais ser gratos por tudo o que os nossos antepassados nos proporcionaram para hoje podermos viver com a esperança de vida que nunca tiveram, com a bênção da ciência e dos avanços médicos e farmacêuticos que nos protegem do que antes matava sem apelo, pela higiene e conforto inimagináveis até há cinquenta anos atrás.
Aceitar a história é dignificar a própria civilização e a evolução da espécie humana. Ousar pô-la em causa é um absurdo incompreensível, desdenhando a luta daqueles que tudo fizeram para hoje termos a liberdade que pelos vistos não sabemos nem merecemos usufruir em pleno. A estupidez humana parece não ter limites e este século vem a prová-lo incessantemente.
Haja coragem e determinação para defender a história e a dignidade da civilização. Sob pena de cairmos no abismo da total intolerância e do desrespeito pela ordem social, fazendo do caos a porta de entrada no fim dos tempos.