Por Ricardo Magalhães
Foi desde o início do vírus apontada por muitos como a solução para enfrentar a Covid-19. Controversa, perigosa, mas nem por isso rejeitada pelo governo sueco, que a tornou mesmo na estratégia oficial do país de combate ao vírus. Até que agora chegou o momento em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) veio a público decididamente desaconselhar a chamada imunidade de grupo.
Chega até a ser impressionante como demorou tanto tempo para uma organização com o conhecimento e reputação da OMS chegar à conclusão de que “deixar circular um vírus perigoso que ainda não entendemos completamente não é ético nem é uma opção”, uma vez que deixar o vírus sem controlo “significaria infeções desnecessárias, sofrimento desnecessário e mortes desnecessárias”.
Isto seria nada mais que constatar o óbvio não fosse o atraso temporal gigantesco com que é feito. No entanto, a exposição do secretário-geral da OMS não se ficou por aqui. Tedros Ghebreyesus aproveitou também a conferência de imprensa em Genebra para esclarecer que “a imunidade de grupo atinge-se quando se protegem as pessoas, não quando se expõem às doenças. Nunca na história da saúde pública se agiu nesse sentido. A imunidade de grupo é um conceito médico relacionado com vacinação, que se verifica quando determinada população consegue estar protegida de uma doença infeciosa a partir de um limiar de pessoas vacinadas.” E deu exemplos: no sarampo, esse limiar é 95%, enquanto para a poliomielite o limiar mínimo é 80%. Quando se atingem essas taxas de imunização, a doença não se espalha mais entre a população e o resto das pessoas que não estejam imunes acaba por ficar protegida.
Por tudo isto, deixar circular o vírus como estratégia coloca “problemas científicos e éticos”. Até porque não há ainda sequer certezas sobre a capacidade das pessoas desenvolverem imunidade sem vacina. Como se sabe, há pessoas, entre as quais o ex-futebolista do Benfica Eduardo Salvio, que apanharam a doença duas vezes. Para além disso, os efeitos a longo prazo da covid-19 em pessoas que estiveram doentes apenas agora se estão a estudar verdadeiramente, como é natural uma vez que ainda não faz um ano que o vírus apareceu.
Trago-vos estas palavras neste primeiro mês de outono pois acredito que vêm uma vez mais confirmar que o caminho que vimos seguindo de contenção e prevenção é a melhor forma de controlarmos e combatermos esta epidemia e os seus impactos e ameaças às nossas vidas. Os próximos meses não se adivinham fáceis e, mais de seis meses após o início destas medidas, é mais importante que nunca apelar à capacidade de resiliência e responsabilidade cívica de todos nós. É fundamental continuarmos a executar com rigor as medidas de proteção individual e evitar concentrações de pessoas. São estas as formas mais eficazes de seguirmos em frente com as nossas vidas sem amplificar os contágios e, assim, proteger-nos a nós e aos mais vulneráveis.