A mulher de César

"Há que lembrar que a opinião pública dificilmente estará a compreender o contexto e as implicações quer da ocorrência com a empresa privada do PM, quer as motivações de cada partido para extremarem posições e fazerem assim cair o governo". A opinião de João Fróis

Reza a história que na Roma antiga, Júlio César, imperador e também pontífice máximo, casou com Pompeia após o falecimento da sua primeira esposa Cornélia. Pompeia deu uma festa em honra da deusa da fertilidade e virgindade, Bona Dea, onde estavam proibidos os homens. Mas um jovem patrício, de seu nome Públio Clódio, terá entrado disfarçado com o intuito de a seduzir. Foi descoberto e julgado por sacrilégio, mas Júlio César não apresentou nenhuma evidência contra Clódio, inocentando-o. No entanto decidiu divorciar-se de Pompeia, declarando “minha esposa não deve estar nem sob suspeita”. Daqui surgiu o provérbio “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

Aqui chegados, atentemos na conjuntura política nacional por estes dias. Temos um primeiro-ministro (PM) sob suspeita de favorecimento e obtenção de ganhos privados enquanto exercia as funções públicas no governo, apesar de ter apresentado várias provas da licitude da sua conduta e de as mesmas não constituírem até à data, qualquer ilegalidade.

Temos um quadro onde a oposição clama por mais esclarecimentos do PM face à desconfiança de ter favorecido um dos clientes da empresa familiar que manteve em funções em simultâneo com a chefia do governo e que perante uma apreciação negativa quer da conduta, quer da insuficiência dos esclarecimentos que exige, se mostra empenhada em rejeitar a moção de confiança que o governo irá apresentar amanhã, dia 11 de março.

Não cabe aqui tecer qualquer apreciação de cariz político, tão só observar o enquadramento atual e as consequências que daí podem advir.

Os cenários que se colocam não são favoráveis ao país. Indo a eleições em maio, teremos uma atividade governativa em banho maria até lá, com uma campanha que será negativa, a esgrimir argumentos da responsabilidade de irmos novamente a eleições.

Tal como a mulher de César o PM arroga a sua inocência e licitude em todo este processo. No entanto a forma como defendeu as suas causas e os conteúdos que apresentou não foram suficientes para o cabal esclarecimento da oposição e para acabar com a suspeição de favorecimento a grupos privados com interesses em áreas tuteladas pelo governo. Ora, tal como Pompeia, também aqui não basta ser honesto, há que o parecer. E para que esta aparência seja possível há que comunicar bem, de forma assertiva e capaz, coisa que manifestamente não sucedeu. Quer pelo timing, com alguns dias de atraso até haver um primeiro esclarecimento, quer na forma, através de uma conferência de imprensa sem direito a perguntas, quer por demonstração documental de rendimentos que expôs, desnecessariamente a família do PM. Uma comunicação célere seria bem-vinda e um esclarecimento factual de todos os atos e movimentos da empresa desde a sua constituição, seriam muito provavelmente mais do que suficientes para debelar as dúvidas e terminar com a suspeição. E se assim fosse não iríamos chegar a este ponto de rotura iminente, com a rejeição da moção de confiança que o PM insiste em apresentar, de modo a de alguma forma recapturar a confiança ou então a ir a eleições, buscando a legitimidade que a assembleia da república lhe negou.

Ler
1 De 425

Os cenários que se colocam não são favoráveis ao país. Indo a eleições em maio, teremos uma atividade governativa em banho maria até lá, com uma campanha que será negativa, a esgrimir argumentos da responsabilidade de irmos novamente a eleições, quando o momento mais tenso da aprovação do orçamento foi superado e nada faria prever esta rotura política. As sondagens apontam para parcas flutuações nas votações de há um ano e no limite poderá haver a mudança do PSD para o PS na governação, mas no mesmo quadro de minoria, o que nada de bom augura, mais a mais com o atual clima de desconfiança mútua.

Se porventura a moção de confiança passar, algo muito improvável face ao posicionamento assumido pela oposição, teremos um governo contestado a cada passo e ensombrado pela suspeição do seu PM, com certeza lembrada amiúde pela bancada à esquerda e à direita do partido do governo. Cenário que iria desaguar com elevada probabilidade numa rotura na próxima votação do orçamento de estado.

Por último há que lembrar que Júlio César decidiu pelo divórcio pela mera suspeição que aquele acontecimento gerou junto da opinião pública e que iria lesar a sua reputação e honra. No caso atual, se não for para defesa da honra, há que lembrar que a opinião pública dificilmente estará a compreender o contexto e as implicações quer da ocorrência com a empresa privada do PM, quer as motivações de cada partido para extremarem posições e fazerem assim cair o governo. E se vemos que as movimentações políticas vão no sentido de encontrar o responsável por irmos para eleições, partindo do princípio que será penalizado por tal nas urnas, também aqui o lema de César deveria atender. Afinal se cada partido entende que está a agir corretamente e que a culpa da rotura é do oponente, veremos se a perceção do eleitorado é a mesma e se não haverá uma grave distorção do sentido de voto motivado pelo que parece e não tanto pelo que verdadeiramente é. Uma coisa é certa, independentemente da verdade dos factos e das razões que assistam a cada partido, a sua imagem pública, ou seja aquilo que (trans)parece para o eleitorado, não é nem positiva nem favorável à economia e ao bom curso das reformas políticas em curso. Seria bom que a nossa classe política pudesse aprender com os ensinamentos de Caio Júlio César. Para o bem de todos nós!

Isuvol
Pode gostar também