Ele partiu.
Sem qualquer aviso na porta, sem uma mensagem de despedida, sem um bilhete esquecido em cima da mesa, deixando-a sozinha e abandonada.
Ele saiu de cena ainda o pano não tinha caído. A ela, não lhe deu qualquer hipótese de finalizar a história. Um enredo que se entendia por belo não chegou a ter um final digno de conto de fadas.
Apenas uma partida.
Partida da vida, partida de amor, partida dele. Misturam-se os significados da palavra numa dança trocista, em que ele conduz e ela perde-se no ritmo.
Uma partida onde se dissiparam as regras, se ocultaram as pistas e se instituiu a trapaça. Ele era mestre neste jogo. Ela nunca o aprendeu a jogar. Não se fizeram apostas, pois não há vencedores num jogo ilegal para os corações.
Não passou tudo apenas de uma partida que ambos perderam.
Uma partida tornada epílogo que guarda apenas uma certeza.
Ela partiu-se.
Por dentro e por fora. O corpo e o espírito. A mulher e o ser humano.
Incontáveis pedacinhos juntos na impossibilidade de se voltarem a unir.
Partida, largada, fugida. Correu atrás dele, sempre sem o alcançar. Tentou encontrá-lo no seu incerto destino, mas ele era homem que não queria ser encontrado. Pelo menos, não por ela.
Jogou vezes sem conta contra o seu fado, mas já estava escrito e as estrelas do céu noturno brilham escarnecendo do infortúnio que lhe calhou em sorte.
Partida pela partida da partida.
Uma balbúrdia de significados partidos abalroa-lhe a mente, escoando-se em gotas salgadas pela sua face.
E se não passa tudo apenas de uma partida?
Procura, mas ele não está ao virar da esquina, nem nas ondas do mar, nem adormecido na sua cama.
Procura, mas ele já arrumou as peças, juntou o baralho, guardou os peões.
Nada, poderia não ser nada, mas a verdade é outra. O nada é o tudo que ela percebeu.
É realmente uma partida.
A partida dele da sua vida. A partida que o amor lhe preparou. A partida em que ela se tornou.
A vida é feita de partidas.
E eles partiram-se os dois.