Andar para aí a matar velhinhos

Por Ricardo Magalhães
Após Holanda, Bélgica, Suíça, Luxemburgo, Colômbia, Canadá e Espanha, também em Portugal foram aprovados os primeiros projetos de lei com vista à despenalização da eutanásia. E se é verdade que ainda há um longo caminho pela frente, com muitas barreiras, também é verdade que o primeiro passo está dado e que história foi escrita por entre as paredes do palácio de São Bento.

Falar sobre a eutanásia é falar sobre aquilo que para muitos é andar para aí a matar velhinhos, uma vez que no seu processo argumentativo redundam frequentemente em colocar-nos entre a espada do suicídio assistido e a parede do investimento necessário nos cuidados paliativos, como se estas se tratassem de realidades opostas e inconciliáveis. Não o são de todo. Importa esclarecer que com a despenalização da eutanásia o dever do Estado para com os cidadãos mantém-se, pelo que a gravidade de um eventual incumprimento do Estado é a mesma de agora. Para além disso, a eutanásia não é um ato médico, pelo que não será (ou não deverá ser) em caso algum receitada por um médico. O papel do médico continua a ser maximizar a qualidade de vida e minimizar o sofrimento do doente. A partir de agora o doente passa apenas a ter a liberdade de poder dizer que no seu entender chegou a sua hora e que é inútil prolongar mais no tempo aquele sofrimento por que está a passar.

Nem tudo o que é novo é bom e nem tudo o que é vendido como um avanço civilizacional o é de facto. No entanto, neste caso, parece-me mesmo sê-lo. Parece-me desumano ter alguém ao nosso lado para quem a morte é garantida, em sofrimento atroz e a suplicar a morte que acabe com todo aquele sofrimento inglório e negar-lhe esse pedido. Para além disso, e talvez mais que tudo, se algum dia estiver nessa posição não sei o que irei fazer, mas quero ter liberdade de escolha. Garantida essa liberdade, cada um poderá então tomar em consciência a decisão que lhe pareça mais acertada e de acordo com as suas crenças ou ideologias. A vida não são dois dias, são anos de experiências e momentos fantásticos e outros porventura menos bons. Após todos esses anos de vivências, creio que é bonito numa situação extrema poder olhar para elas e dizer: “Foi bom, mas chegou a minha hora. Sou muito grato por tudo aquilo que vivi. Obrigado a todos os que me amaram e estiveram no meu caminho.” Em suma, escrever com o coração quente o último ponto final do livro das nossas vidas.

O sentido da vida é relativo e no final não conta o quanto vivemos, mas sim o que vivemos e o valor que lhe damos. Deixemos cada um decidir quando dizer adeus.

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