Opinião de João Fróis
A parcela de território na Ásia Central colada á cordilheira do Kindu Kush é, desde a antiguidade, parte importante da rota da seda e sempre resistiu a submeter-se a povos estrangeiros. Libertou-se do Reino Unido em 1919 e viveu numa monarquia instável mas dominante até 1973, cedendo então às permanentes tensões entre as muitas e diferentes etnias, tribos e clãs que compõem o Afeganistão. Destas surgiram os mujahidin, ou guerrilheiros islâmicos na resposta à ofensiva soviética nos anos 80 do século XX e que ousaram derrotar a potência maior vinda do norte. Mas a sede de poder levou a que as diferentes fações entrassem em conflito aberto entre 1992 e 1996, numa guerra civil de onde surgiram os talibãs, em árabe “os estudantes de teologia e do Corão” e que assumiram o poder até 2001, só sendo apeados pelos EUA na sequência dos atentados do 11 de Setembro e do apoio aberto de Cabul à Al Qaeda e a Osama Bin Laden.
Até hoje o ocidente, e em particular Washington, despejou mais de 2 biliões de dólares num país sem capacidade de gerar riqueza e que depende em 80% dos donativos. Nestes 20 anos perderam a vida cerca de 240 mil pessoas, na sua maioria civis e não se conseguiu assegurar um futuro para os sobreviventes. O regime talibã vai ter de optar entre alimentar as redes do ópio, com renovado vigor na região, e o potencial das reservas de lítio, tidas como das maiores do planeta e que como sabemos são essenciais para tudo o que é aparelho digital e tem bateria como fonte energética.
As imagens do caos no aeroporto de Cabul não auguram nada de bom. Fuga desenfreada, caos, mortes, a anunciarem os tempos de escuridão que se viveram nos finais dos anos 90, atirando as mulheres para as sombras frias das suas casas e cortando os laços culturais sem dó, amordaçando a liberdade e instalando um reino de terror.
Resta saber o que as potências mundiais vão fazer nesta fase de retirada anunciada dos EUA. Se vão negociar com este regime opressor de modo a manter uma paz podre numa região estratégica entre a Rússia a norte, a China a este a o Irão e Arábia Saudita a oeste, fechando os olhos aos atropelos aos direitos humanos que os talibã praticam sem olhar a meios, ou se irão manter uma pressão constante de modo a proteger as vidas inocentes de todos os civis afegãos que não conseguiram sair do país?
De uma outra forma, os russos perderam aqui uma guerra, entre 1979/89 e os EUA saem de cena após 20 anos onde não conseguiram ajudar a (re)construir o país. O povo sai uma vez mais a perder e só existe um vencedor claro, o terror! Bem-vindo ao séc. XXI…
*Artigo publicado na edição de setembro do Jornal de Cá.