Hoje, sabemos mais que ontem (IX)

Crónica de José Caria Luís

E se o estado de fortes contingências e confinamentos, limitando as liberdades, não for suficiente para atenuar a mortandade, não se admirem que um dia destes se comece a desenhar, e apareça por aí, uma feroz ditadura. Não querem? Ninguém quer? Era uma grande chatice, não era? Até tenho a certeza de que iria haver muitas mortes, muitíssimas mais mortes do que as provocadas pela Covid. “Ah, é porque estamos na Europa e, aqui, nunca seria viável que tal ditadura viesse a acontecer?” Quem se fiar nisso, decerto não conhece a História Mundial. Lembrem-se do ditado popular que afiança que “a seguir à tempestade vem a bonança”, mas nunca esquecendo que, não raras vezes, a seguir à desordem e à bagunça, quase sempre vem a ditadura. Urge, pois, tomar consciência do flagelo que por cá (e lá) se instalou, cultivar o recato que cada qual deve observar, salvaguardando-se a si próprio, o que já mostra algum respeito pelos demais. Pelo que se vê, dias negros, muito mais negros, estão a chegar. Que nos deixem, ao menos, acabar este vasto compêndio de estórias da província sem danos colaterais… se não, já nem sei se hoje sabemos mais que ontem. Sim, que dizer e como classificar estes comportamentos, perpetrados pelos aglomerados de grupelhos, quando os óbitos já atingiram tal estado de calamidade?

Mas, no artigo de janeiro, estava eu analisando e narrando as vivências das gerações de 50 e 60, dando ênfase ao calvário das raparigas da província que, por força dos moralismos que lhes eram impostos, viviam com as liberdades muito cerceadas. Numa segunda fase, mais pelos meados de 60, já algumas moças mais liberais, sobretudo as que residiam em meios urbanos, se aventuravam a mostrar o joelho inteiro, coisa que, até então, era pecado. E, segundo o parecer dos seus pais, a minissaia podia esperar, mas sentada e de pernas cruzadas, como mandavam os bons costumes da terra.

Entretanto, o pagode masculino, achando que a minissaia tardava em chegar à terra, confrontados com a avidez de deitar o olho às pernas das meninas, não se coibia de, em certos domingos de verão, pegar nas bicicletas e demandar a praia da Nazaré. E não se pense que o propósito deles seria o de tomar uma bela banhoca de mar, não! É que, além de a maior parte nem saber nadar, ninguém tinha calções de banho. Os bacanos andaram durante a pretérita semana a tentar saber quem é que da terra estaria por terras nazarenas. De férias ou no fim de semana, eles só estavam unidos no propósito de vislumbrar as silhuetas das suas conterrâneas. Fossem elas meninas ou senhoras casadas, que tinha isso? Naquele meio, o que mais lhes interessava era apreciar e, também, classificar o perfil de cada uma delas. Só que a mulher, com o seu conhecido sexto sentido, não se deixava enredar na teia da rapaziada: sabendo de antemão que, por volta das 10 horas da manhã, o séquito domingueiro da aldeia estaria por aí a rebentar, ou não ia, simplesmente, à praia ou, quando ia, artilhava-se com roupões e gigantescos toalhões de maneira, como em dia de tempestade, que nem um só pedaço de chicha ficasse à mostra.

Vejam como era penoso ser rapariga naquela época.

*Artigo publicado na edição de fevereiro do Jornal de Cá.

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