O triunfo do medo

 

“Invictamente”, por João Fróis

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Anda o mundo às avessas com a sombra negra do terrorismo e eis que líderes fracos permitem aos seus cidadãos exercer o pior de si mesmos, chamando-os a um referendo!

Um referendo não é em si mesmo algo menor ou censurável, podendo mesmo ser visto como um ato democrático no exercício pleno da cidadania.
Se o princípio que legitima tal consulta popular é moralmente aceite, já os resultados práticos deste exercício de plebiscito levantam sérias questões que, o recente Brexit, trouxeram de novo a lume. E com queimaduras extensas e feridas que ainda não sabemos como sarar…

A Europa oscila uma vez mais entre as suas tendências autocráticas e ditatoriais, que mancharam o séc. XX a sangue, e as correntes modernistas e participativas, em que tudo ou quase tudo é levado ao “julgamento” popular. A verdade nua e crua é que nenhuma nos serve e se a primeira não oferece dúvidas, já a segunda merece a nossa atenção e cuidado tal o seu poder subversivo e ao retardador. A primeira é explosiva, e torna o horror palpável, estilhaçando corpos e esperança com a mesma negra eficácia. A segunda é um lobo com pele de cordeiro. Ardilosa, matreira e mansa na sua aparência inofensiva mas com poder destrutivo dificilmente mensurável. Os seus efeitos são como um tsunami, leva tempo a chegar mas quando o faz não se detêm perante coisa alguma, destruindo tudo à sua passagem.

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É este cenário dantesco que o tristemente célebre Brexit nos deixa em antevisão. O processo de saída efetiva levará o seu tempo mas entretanto muitas equações se vão pondo e outras tantas decisões económicas, com impacto profundo na vida de milhões, vão ser tomadas.
Na falta de uma tomada de decisão política corajosa e determinada, quis o Reino Unido colocar o ónus na “sabedoria” popular, sobre algo tão importante como estar ou não na UE. A sabedoria que faltou na hora do voto traduz-se na expressão popular para estes casos: “pôs-se a jeito”. E de que maneira, para mal de milhões de jovens e adultos, cientes do que significa ficar fora da União Europeia no que às oportunidades de trabalho e futuro dizem respeito. E foram os mais velhos, com especial enfoque nos seniores com mais de 65 anos que a corda partiu a favor do “leave”. Cinicamente, as gerações mais velhas que deveriam saber cuidar do legado para as vindouras, foram precisamente as que as castraram com o seu voto xenófobo e ignorante. Sim, percebe-se agora que as questões dos imigrantes no Reino Unido, com maior contundência na velha Inglaterra, eram pasto imenso para labaredas que só o clima nebuloso parecia teimar em esconder. A aparente sociedade aberta e multicultural, que tem povos de quase todo o mundo a trabalhar e procriar em solo da velha Albion, é afinal aquilo, que já há muito se sabe em França, também na Alemanha e um pouco por todo o velho continente, como a subida nas votações dos partidos extremistas o demonstra, intolerante, individualista e xenófoba. Os povos que vêm de fora servem para fazer o que os “iluminados” não querem, até ao dia em que a crise transforma cada oportunidade numa tábua de salvação, estalando a competição feroz entre os autóctones e os forasteiros, abrindo-se as portas do inferno para o caos social e o medo do que vem de fora.

Foi precisamente este medo ancestral, irracional e pouco difundido nos media que fez desequilibrar os pratos da balança, permitindo que o “leave” vencesse. Foram os seniores britânicos, saudosos do velho império que a todos subjugava e da paz que lhes transmitia entre portas, que foram agora, de faca afiada, votar emocionalmente na “expulsão” dos emigrantes, os “culpados” dos seus males e da perda de alguns dos seus benefícios. Foi o ódio instintivo contra a invasão de terceiro mundistas, de raças e credos tão distintos que incendiou a opinião pública senior, alimentada por políticos irresponsáveis e tão os mais extremistas que os seus votantes, que levaram a esta votação catastrófica e a todos os títulos, lamentável.

Mais frustrante é perceber que não haviam razões objetivas para sair da UE e que tudo foi empolado em questões raciais, no medo das quotas impostas por Bruxelas para receber refugiados, distorcendo gravosamente o sentido do referendo e abrindo portas à demagogia barata que já vai lavrando na Hungria, na Áustria, na Polónia, na Bélgica e em tantos outros países europeus e parte dos agora 27.

Muitas lições há a retirar deste Brexit mas a mais imediata é a capitulação absoluta dos líderes, face ao imenso poder económico e financeiro. Os omnipresentes “mercados”, sem rosto nem lei aparente, a todos impõem as suas regras e poder. E se o fizeram antes sobre empresas, agora é com países inteiros que jogam as suas cartas e ameaçam secar de investimento as suas depauperadas finanças. Se antes eram os bancos que se impunham como financiadores, agora com a crise aberta e a falta de liquidez que vai fazendo cair instituições até há pouco tempo insuspeitas e honradas, são os obscuros “hedge funds” que vão cavalgando vitoriosamente as batalhas financeiras mundiais, assistindo de camarote às diatribes encenatórias dos líderes políticos mundiais, a tentarem decidir quais os incêndios a apagar primeiro, tentando segurar as pontas das cada vez mais frágeis economias dos seus estados.

Que dizer do sorriso sinistro que esses fundos sem rosto vão fazendo, perante um velho império e praça forte dos mercados bolsistas, que se ajoelha e coloca a cabeça na guilhotina da opinião pública…?

Que saiba a UE a 27 entender todas as implicações diretas desta decisão britânica e saiba acautelar os interesses maiores dos seus estados membros. No entanto os indícios parecem ir no sentido contrário, com a pressão anunciada sobre o deficit português e as supostas sanções decorrentes, a lembrarem que a “ditadura” do controlo continua bem viva e que os fantasmas encabeçados pelo xenófobo ministro das finanças alemão, estão aí para durar. Até quando??

Teremos uma união reforçada ou as feridas abertas são de morte?

Uma pergunta a ser respondida nos próximos tempos, em vários palcos e com outros tantos intérpretes, uns mais visíveis que outros.
Uma coisa é certa, resolva ou não o clima brindar-nos com uma estação estival, este será a todos os títulos um “verão quente”.

Felizmente nós por cá temos aquilo que muitos deles gostariam e que tanto invejam, setecentos quilómetros de belas praias para nos refrescarmos e nos aliviarmos dos calores que nos chegam de fora…


 

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