Opinião de Afonso Morango
Em 1961 construía-se um muro que iria dividir a Europa e o mundo durante quase três décadas. De um lado o comunismo, do outro o liberalismo. Berlim era o centro do confronto entre ocidente e oriente, num duelo que moldou o palco internacional dos nossos dias.
Nas últimas semanas, a Europa tem assistido ao desespero de milhares de migrantes na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia. A guerra híbrida de Alexander Lukashenko contra o Velho Continente tem desestabilizado a União Europeia, que, além de alguns comentários, apenas assiste impávida, uma vez mais, ao desespero de milhares de migrantes que enfrentam agora o rigoroso frio do norte europeu. Encurraladas entre cercas e muros numa região gelada, as famílias procuram soluções para as falsas promessas de Lukashenko.
Desde a queda do mais marcante muro da História, a Europa já construiu mais de mil quilómetros de vedações, muros ou valas. Não deixa de ser curioso que as veementes críticas europeias ao muro de Trump, que já tinha sido abordado por vários presidentes anteriores ao diplomata do Twitter, se concretizam agora no financiamento de divisões claras em solo europeu. Nas décadas posteriores à demolição do Muro de Berlim, a Europa ocidental percorreu um caminho quase contínuo de integração e relativa paz. Era o fim do edifício ao medo e o início da formação de um “espaço de alegria”, espaço esse cada vez mais fechado àqueles que desesperadamente procuram entrada segura. Lembranças da divisão de Berlim viajam pelo mundo para recordarmos a vitória da democracia, mas também como amuleto para a queda de outras barreiras. No entanto, vivemos numa Europa cada vez mais quebrada e trancada.
Neste momento, existem dezasseis muros ou valas que começam entre Espanha e Marrocos e que se agravam muito na Europa Central em países como a Hungria ou Eslovénia, estendendo-se até às fronteiras europeias com a Rússia e a Bielorrússia. Até em Calais se montaram estruturas para impedir a passagem rumo ao Reino Unido. Dos 27 Estados-membro, mais de um terço tem barreiras físicas erguidas pelo Homem, dez das quais foram construídas durante ou após a crise migratória de 2015, o ano com o maior fluxo de refugiados desde a II Guerra Mundial. A intenção da União Europeia e de alguns dos 27 não poderia ser mais clara.
Perante a falta de consenso para a distribuição de migrantes através de quotas, soluções mais imediatas foram implementadas, erguendo-se barreiras. A Hungria foi pioneira e Viktor Orbán foi o grande impulsionador da Europa Fortaleza, uma estratégia de fortificação das fronteiras terrestres que engloba, agora, agências europeias, polícias fronteiriças nacionais e quilómetros sem fim de barreiras físicas. Enquanto alguns líderes políticos se envergonham da proposta de financiamento da União Europeia para vedações, a verdade é que elas continuam a existir em inúmeras fronteiras.
Talvez seja importante olharmos para os tempos passados. O tijolo de Berlim deu agora lugar ao arame farpado e juntas, as novas fortalezas da Europa equivalem a seis Muros de Berlim. Contudo, ao longo da história da humanidade, qualquer parede erguida acabou, eventualmente, por ser demolida. Umas demoraram mais tempo que outras, mas todas elas acabaram por sucumbir. Resta-nos pensar genuinamente no verdadeiro problema e, de alguma forma, encontrar uma solução, porque um muro nunca foi, até hoje, a melhor via.
*Artigo publicado na edição de dezembro do Jornal de Cá.