“Mãe, como se brinca à apanhada sem tocar em ninguém?”

A forma de vivermos o dia a dia sofreu grandes alterações devido à pandemia Covid-19, tornaram-se normais os sentimentos de insegurança no convívio social e as formas diferentes de utilizar os espaços públicos, e as repercussões na saúde mental das crianças e jovens parecem iminentes.

A situação atual da pandemia não tem precedentes com características parecidas, como um acontecimento gerador de stresse prolongado. Por isso, ainda há dificuldades na avaliação dos impactos psicológicos no desenvolvimento das crianças e adolescentes. No entanto, basta focarmo-nos um pouco no assunto para concluirmos que irá certamente ter efeitos diretos e indiretos na saúde mental, especialmente das crianças e adolescentes, com a personalidade em pleno desenvolvimento.

Nas escolas, as novas regras de convivência social implicam, frequentemente, que as crianças não possam brincar com crianças de outras turmas e, por vezes, no caso de turmas que foram divididas, as crianças não podem brincar com crianças que nos anos anteriores fizeram parte da sua vida diariamente.

“Mãe, hoje dei um abraço ao Rafael, faz mal?” são questões normais nesta altura, que põem em evidência os tempos estranhos que estas crianças estão a viver. As relações sociais estão a ser muito afetadas pela pandemia, com a falta de contacto físico e com a ameaça que elas passaram a simbolizar.

Nos adolescentes, a pandemia restringiu a socialização com os pares fundamental a um desenvolvimento psicológico saudável, nomeadamente para fomentar o processo de autonomia. Nesta situação de pandemia, o desafiar das regras impostas, típico da adolescência, é menos permitido do que nunca, embora muitos arranjem forma de, mesmo no período de pandemia, o fazerem: as festas, os encontros em grupo…

Uma situação tão adversa como a pandemia exige a mobilização de estratégias psicológicas para a enfrentar de uma forma adaptativa. As relações próximas estáveis são fundamentais nesse processo, mas, ao mesmo tempo, as relações presenciais com os pares simbolizam também uma ameaça o que, ao longo do tempo, pode gerar o isolamento social, o desamparo, o desânimo, o medo e a ansiedade e o querer ficar sempre perto dos pais, onde se sentem mais protegidos, e, assim, atrasar ou bloquear o processo de auto-regulação emocional e a autonomização, naturais ao desenvolvimento da personalidade.

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Para as crianças e os adolescentes, a socialização com os pares é fundamental pois promove muitas competências essenciais ao seu desenvolvimento: a cooperação, a convivência com as diferenças, o partilhar das decisões, o enfrentar de desafios, o resolver de conflitos, o esperar pela sua vez, o controlo de impulsos… a socialização online nunca será tão rica como a socialização presencial.

As crianças e os adolescentes, embora possam não o demonstrar, são permeáveis às emoções dos pais que os irão influenciar, isto é, a ansiedade dos pais relativamente à pandemia será transmitida aos filhos que sentirão também essa ansiedade. Por outro lado, se os pais transmitirem tranquilidade e confiança serão essas as principais emoções dos filhos em relação à pandemia. Devem ser evitados comentários pessimistas e catastróficos sobre o atual momento junto dos filhos pois irão influenciar os seus sentimentos e atitudes relativamente à pandemia. São os pais e/ou cuidadores que fazem “a leitura” do que se está a passar para os seus filhos.

Os impactos da pandemia no desenvolvimento das crianças e jovens deve ser mitigado com medidas preventivas para diminuir os potenciais efeitos negativos e sequelas na sua saúde mental.

Parece-me importante encontrar um equilíbrio entre cumprir as regras de segurança e ter em atenção a saúde mental de todos, sem fundamentalismos, portanto.

A escola é um microssistema essencial ao desenvolvimento, à socialização e à aprendizagem. Nestes tempos desafiantes e estranhos a importância de dialogar sobre os afetos e as emoções é bem maior do que os conteúdos programáticos que se podem recuperar mais tarde.

As experiências desafiadoras, como está a ser a pandemia, são também oportunidades para todos aprendermos novas respostas adaptativas para enfrentar as adversidades e aumentar a resiliência. Se bem conduzida e pensada, tentando atingir um equilíbrio entre as medidas protetoras relativas ao Covid-19 e os fatores de risco para a saúde mental, esta poderá ser uma oportunidade de todos nos tornarmos – adultos, crianças e jovens – mais resilientes. Encontrar alguma flexibilidade para se adaptar a esta normalidade parece ser o segredo.



Sónia Parente é psicóloga clínica

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