O terceiro sexo

Opinião de João Fróis

A propósito das recentes polémicas sobre a identidade de género, tão em voga por estes dias, recordo as sábias palavras que o escritor espanhol Arturo Pérez Revarte, afirmou em entrevista há alguns meses. O escritor entende que a civilização atingiu o seu momento mais livre e culturalmente rico nos finais do séc. XVIII e no seguinte, nas boas graças do Iluminismo e das grandes correntes de pensamento crítico e criativo, superiormente defendidos em obras literárias de vulto de outros tantos pensadores, ensaístas, escritores e filósofos, debruçados sobre o fenómeno civilizacional e o avanço das ideias e da liberdade de as partilhar para o bem comum. Daí para cá, e sabendo dos males que o séc. XX nos trouxe, estamos agora em tempos em que tudo parece questionável, do mais básico dos temas mundanos até aos pilares em que a sociedade se ancorou para evoluir. Tudo e todos têm uma ideia sobre qualquer coisa e a opinião é bem-vinda se assentar no respeito de todas as outras. Mas não é isso que vemos. O ódio anda à solta e a carnificina das palavras é brutal nos novos meios onde todos se encontram ligados, virtualmente.

Pior que tudo isto é vermos correntes ideológicas e de mãos dadas com a política, a defenderem a dita liberdade de género, numa missão salvífica dos grilhões ultrapassados de ser X ou Y. Há que ser W, ou Z e nada nem ninguém pode estar contra tal evidência social…

O mais recente projeto de lei a ser apresentado à Assembleia da República, em que se pondera permitir aos jovens de 16 anos moverem ações judiciais aos seus pais se estes não concordarem com as suas opções de género, parecem-me uma aberração e mais do que isso, um atentado aos jovens que dizem querer proteger. Atentemos.

Desde sempre entendo que a educação sexual é em Portugal um enorme vazio e um quase tabu, incompreensível aos dias de hoje. Se nos idos anos 70 e 80 do séc. XX sabíamos que não era tema que se falasse em casa, crescendo-se na rua e na aprendizagem entre pares, com a experiência mais ou menos conseguida da descoberta do sexo, confesso que me desassossega perceber que as crianças estão a crescer com ainda menos informação sobre um tema que deveria ser, a todos os títulos, lecionada desde os primeiros anos. Sem entrar em querelas filosóficas, nem tão pouco trazer à tábua Sigmund Freud, a verdade é que a literacia sexual de uma sociedade mostra muito do seu grau evolutivo.

Portugal continua alegremente a ignorar temas basilares da construção da personalidade mas não se coíbe de ter partidos a defenderem a liberdade de género como se esse fosse o maior dos problemas que o País enfrenta. Haja bom senso. Se as nossas crianças crescem sem pais que as eduquem em casa e lhes falem despudoradamente sobre o que é o quê, se a escola não promove a educação sexual e se as experiências de rua são cada vez mais tardias no que à comunhão de saberes e experiências concerne, não será descabido andar em campanhas mediáticas a defender o uso do sistema judicial para guerras entre pais e filhos? Querer entregar esse poder despropositado e aberrante de julgar os pais como tiranos a jovens de apenas dezasseis anos e que muito provavelmente ainda pouco ou nada sabem sobre sexo, conhecendo apenas as suas faces mais negras e nebulosas, é demagogo e populista e pior que tudo, um erro crasso na ideologia social que se promove.

Num ápice, parece que ser ou rapaz ou rapariga é um erro e que não ter a todo o tempo outras vias em aberto é um crime lesa pátria! E semeia-se a confusão em mentes em formação e que dificilmente conseguem discernir o que é o certo do seu oposto no que ao sexo diz respeito.

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Sempre defendi o direito à homossexualidade e aceito-a com a mesma leveza com que aceito qualquer raça, credo ou opções culturais diferentes. Todos temos direito a tomar as nossas opções sem para tal nos sentirmos acossados ou julgados na praça pública. E nem todos temos a força moral e autoestima reforçada para saber defender quem somos e as nossas opções, contra tudo e todos. Entendo que o primacial é promover a educação sexual competente, assente nas melhores práticas científicas, da pedagogia, psicologia e sociologia. Desmistificar tabus, educar em consciência e livre arbítrio, ajudando a criar mentes abertas e esclarecidas para poderem crescer longe dos grilhões do preconceito e da castração do medo e ignorância. Só assim os jovens poderão vir a tomar as melhores opções em consciência e conhecimento. Até lá, andamos a confundir quem de si já anda baralhado pelas circunstâncias próprias da adolescência. E sinceramente, aos dezasseis anos nenhum jovem tem capacidade para decidir, em pleno, sobre algo tão contundente na sua identidade como a escolha de um novo género, esse terceiro sexo que parece ser agora o cavalo de batalha da afirmação do novo ser… e se vemos gritaria a defender a igualdade entre sexos, nos direitos e acessos a tudo e mais que seja, vemos do outro a defesa acérrima dessa terceira via, como se daí nascesse algo mais nobre que esta coisa antiquada de se ser homem ou mulher.

Se se preocupassem em fomentar a leitura e o conhecimento ficaria mais descansado com o mundo onde estou a criar os meus filhos. Mas o que vejo são jovens com níveis de cultura geral baixíssimos, com um desinteresse preocupante sobre o mundo que os rodeia e com opiniões tão curtas e questionáveis como o são as fontes “luminosas” de onde bebem essa informação fútil, rápida e confusa.

As escolhas individuais não devem ser de todo transformadas em movimentos sociais, sob pena de criar ainda mais problemas de identidade em quem está a crescer e deve poder tomar as suas decisões de forma livre e leve, sem a pressão mediática em seu redor. Educar é e será sempre a melhor das vias. A ignorância favorece os senhores do mundo que preferem massas acéfalas de consumidores sem opinião e espinha vertebral para questionar quem manda e decide. O cérebro é o órgão sexual por excelência. Quanto mais recheado de valores, princípios e sabedoria estiver, melhor será a tomada das suas decisões sobre todos os géneros com que nos acenam. Ler, estudar, refletir e pensar em liberdade serão sempre os caminhos da evolução. Na boa defesa da individualidade consciente e coletivamente ativa e participativa. Boas leituras!

Isuvol
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